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domingo, 13 de março de 2011

LUGARES SEM ROSTO

Há alguns anos escrevi artigos sobre lugares sem características especiais, “personalidade própria”, amorfos. Agora me encontro em um deles, infelizmente um lugar que sempre quis conhecer, Punta del Este. Tampouco havia estado no Uruguai, um dos poucos países sul americanos que não conhecia.
A boa impressão começou no aeroporto de Montevidéu, bonito e moderno. Não durou mais do que 15 minutos. A funcionaria do controle de passaportes foi muito antipática, nem sequer respondeu ao meu animado “boa tarde”. A bagagem demorou séculos para chegar, grande mistério, considerando-se que o aeroporto é pequeno e vazio. Logo se desfez tal ponto intrigante, pois desanimados, percebemos que a esteira só começou a funcionar quando grande parte dos passageiros Pluna, Porto Alegre/Montevidéu saiu do free-shop, uma armadilha para trouxas colada aos procedimentos de imigração. Já estive em muitos países ao redor do mundo, mas nunca tinha visto entrega de bagagem propositadamente retardada para que os turistas tenham “tempo” de gastar no free shop. Um enorme e aviltante desrespeito a quem não quer comprar nada na dita loja.
Por conta disso e outros atrasos chegamos a Punta Del Este à noite. Impressão imediata de se estar no Guarujá. Muitos prédios altos e orla desfigurada por excesso de construção. Na verdade, em visitas posteriores ao centro constatamos, que está mais para Miami do que para Guarujá. Mas está muito, muito longe de ser Miami. Tenta ser Las Vegas na imponência do enorme e cafona Conrad, o cassino local. A rua comercial, a Gorlero, é feia e suja, lojas indignas de menção.
Nos hospedamos perto do pequeno povoado de Jose Ignácio, a 35 kms do centro. Boa decisão, pois a praia é bonita apesar de suja e a área rural em volta, muito especial na beleza dos enormes campos, lagos e colinas suaves rodeados por eucaliptos centenários. Cavalos e ovelhas, grandes fazendas, belas casas, tudo perto da praia; uma laguna maior ou menor aqui e ali enfeitando a paisagem. A pousada Casa Suaya é confortável e charmosa apesar do serviço péssimo, café da manhã indecente e limpeza questionável – o preço meigo, 450 dólares o apto mais simples, fica por conta da localização pé na areia, coisa rara em José Ignacio. O restaurante anexo, Butiá, terceirizado, um dos melhores da área, o que não quer dizer muito, em lugar mais de moda do que de qualidade. Quartos grandes e claros, vista para o mar justificam a escolha.
Jose Ignácio é a área descolada de Punta, para pessoas que desprezam o centro Miami-de-pobre e querem praia bonita, silencio, bares e restaurantes transados, separação dos grupos CVC e medonhices do gênero. E o lugar é mesmo tudo isso. Mas paga-se preços ridículos para desfrutar de tais privilégios na curta temporada veranil de Punta Del Leste quando o tempo é mais quentinho e o vento não castiga tanto. A preço de ouro e diamantes! Simples refeições, para dois, com entrada, prato principal e sem sobremesa, apenas diferenciada por vinho uruguaio simples, sai fácil 400 reais. Isso no restaurante cool do pedaço, o Marismo. Uma semi-favela no meio do mato, com chão de areia e zero conforto. O serviço é generalizadamente péssimo: estudantes entediados, fazendo caras e bocas para os clientes e dando a todos a sensação de estarem fazendo um grande favor de atender às vitimas -pagantes das espeluncas. Assim é no Butiá (onde o mesmo jantarzinho básico sai por módicos 300 reais), no Marismo e no templo-do-modismo de José Ignacio, o péssimo La Huella. Atinge o auge na mega-armadilha chamada Los Negros.
Repleto de brasileiros idiotas, eu entre eles, o suposto “grande restaurante” do esperto argentino Francis Malmann – sim, aquele mesmo que criou o cardápio do Figueira-comida-fraca-e-lugar-bonito em São Paulo é um pega-trouxa de primeira. Iniciando pelo fato de que o pobre freguês acredita estar indo jantar dentro do hotel Setai, do famoso e internacional grupo hoteleiro GHM. Aquele super cool de Miami. Ledo engano... Se você for ao site do “suposto” Setai Punta, verá que ele “está em construção”. O Setai Punta NÃO existe. O que há é o esqueleto de uma construção falida, de um “suposto” projeto de hotel e casas utilizando a fama do verdadeiro Setai. A construção está parada, o projeto foi para o vinagre e Francis Malmann montou seu restaurante chique, a custo zero, dentro do concreto nu e cru do esqueleto do falso-Setai. A coisa é bizarra e seria até divertida se um jantar sem entrada e sobremesa, só com o mesmo vinho simples dantes mencionado, não saísse por 500 reais!!!!! Mesmo serviço péssimo, comida insossa, porções pequenas, couvert indigno do nome. Não há entrada por menos de 90 reais e nem prato principal por menos de 140. Nem quisemos ver sobremesas. E o lugar ainda mais, é sujo e bagunçado. Fuja!
No entanto, na interessante vilazinha chamada Pueblo Garzón, a uns trinta kms de Jose Ignacio, o mesmo Malmann brilha no seu primeiro e genuíno restaurante da área, o Garzón. O lugar é bem decorado, o serviço melhor e a comida divina. É um pouco mais barato do que o Los Negros, pero no mucho (paga-se 43 reais por uma empanada pequena), mas se come muito bem e se entende porque o chef tem tanta fama. As empanadas-roubo são celestiais, saladas de abobrinha crua com parmesão e óleo de oliva produzido na região (41 reais por uma garrafinha de 250 ml se o freguês quiser levar uma como souvenir) introduzem pratos criativos e tradicionais. Ao mesmo tempo apresentando um cordeiro clássico com molho de malbec espesso e abundante, rodeado de intenso purê de batatas e coisas inovadoras como a muito suíça batata rosti que vem recheada com uma posta de salmão fresco e espinafre cru. A sobremesa, a clássica panqueca de dulce de leche, utilizando a espessa versão uruguaia do manjar, bem diferente da brasileira e da argentina. Mas nem por isso menos sensacional.
Quando se sai do hype, do hip e do cool e vai-se em busca do mais uruguaio (coisa difícil de achar), a situação melhora (que é justamente o caso do acima citado Garzón, que aposta no Uruguai/Argentina rurais). Um dos melhores exemplos é o museu Casa Pueblo, que conta a historia interessantíssima de um artista uruguaio, sua vida e obra e périplo pelo mundo. O documentário curto apresentado no local narrado pelo próprio Carlos Paez Vilaró é imperdível. Que vida interessante, que garra, que coragem! Foi explorar a África e sua cultura quando ninguém fazia isso, deu uma de Paul Gaugin no Taiti, foi amigo de Picasso e Vinicius de Moraes. E construiu a Casa Pueblo, misto de museu, loja, centro cultural, hotel e restaurante. Uma mescla de Miró e Gaudí, toda branca e empoleirada numa escarpa em Punta Ballena, uma península bonita de Punta. Coisa meio Grécia...
Também no quesito típico, a Finca Narbona é exemplar. Uma vinícola pequena, que produz vinhos deliciosos e possui uma espécie de “show room rural” perto do clube de golfe de La Barra. Os vinhedos e subsequente bebida estão em Carmelo, bem longe dali. Mas o pessoal da Narbona utiliza uma antiga fazenda para dar o clima 1909 (data de sua fundação) da empresa, com loja, bar e um restaurante com cardápio pequeno e delicioso, o Lo de Miguel. Relaxando no celestial terraço e tomando vinhos de primeira a preços decentes e a melhor comida de Punta idem, tem-se uma vaga idéia de como o Uruguai poderia ser um país de mais destaque e interesse se não fosse TOTALMENTE esmagado pela Argentina e em certa medida, pelo Brasil. As infelizes piadas de que Punta é um subúrbio de Buenos Aires, são, tristemente a pura verdade. Até as revistas que cobrem o local são Argentinas. Tudo é feito por e para argentinos. Os vinhos dos cardápios dos bares e restaurantes principais são majoritariamente argentinos em um pais que produz ótimos, tannats, viogniers e também, pasmem, torrontés.
Não existe em lugar algum, qualquer destaque para produtos típicos, coisas genuinamente uruguaias. O free shop do aeroporto mescla vinhos uruguaios com chilenos e argentinos e as coisas do país são poucas e sem graça. A população é geralmente simpática, mas a atitude dos jovens de classe média em geral é tipicamente nojenta – portenha... Você vai conhecer um país, o Uruguai e leva outro, a Argentina. Gato por lebre... E Argentina com carne ruim ainda por cima!
Ouvi isso também de um garçom veterano de um delicioso lugar URUGUAIO, o hotel Las Cumbres. Não está na moda, não é cheio de brasileiros e argentinos deslumbrados. É simplesmente um local super charmoso numa colina com vista espetacular 360 graus da região. Chá da tarde maravilhoso, por do sol estonteante e bom serviço! Gente que sorri e parece feliz! Raridade em Punta del Leste, onde o ar de total enfado predomina.
Outra coisa que me impressionou mal no pais foi o fato de que TUDO parece estar à venda. Apartamentos, casas, fazendas. Há mais imobiliárias do que hotéis ou restaurantes. Os preços são ridículos, altíssimos e e claro, se vende pouco. Me fez lembrar a bolha da internet há uns anos...
Muito gado, carne fraca. Talvez o vinho da uva tannat (francesa) seja a coisa mais uruguaia deste país sem rosto. Comprei duas garrafas de óleo de oliva, veremos se presta. Ufa! As calentitas podem ser consideradas típicas: são uns croissants deliciosos, bem melhores do que os franceses. Mas é isso: tudo no Uruguai parece copiado. Nem o tipo físico das pessoas tem “cara de uruguaio”. São argentinos. Argh!
Por que tantos brasileiros vão a Punta? Por que tal moda?
Parcialmente por ainda sermos “colonizados”. O que é “fino” para os argentinos, tem que ser “fino” para nós. Também, com a melhora da economia nos últimos anos, mais brasileiros viajam e mais querem conhecer o “exterior”, os “lugares de rico”.
Só entendo ir e gostar de Puntal Del Leste em 2 casos:
1 -Quem gosta de jogo. Como não temos cassinos, o brega-Conrad é o maior e o mais perto.
2 -Quem gosta de baladas.

Só.

O guia Lonely Planet dedica apenas 62 páginas ao Uruguai. Que vem incluído junto com o Guia Argentina e suas mais de 500 páginas. Isso já diz tudo!

Triste Punta Del Leste, 12 de março de 2011.