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quarta-feira, 16 de novembro de 2011
terça-feira, 15 de novembro de 2011
AVENTURAS EM MADAGASCAR
Muitos se queixam de que o mundo está totalmente padronizado, um país se parece muito com o outro, as mesmas lojas, os mesmos Mc Donald’s, os mesmos shoppings. Pois, para quem quer sair da mesmice de Miami, Disney, Nova York, Paris, Londres e Roma, aqui vai a indicação: Madagascar. Na certa, o país mais louco e diferente que já visitei em mais de 21 anos de viagens constantes.
O país e a quarta maior ilha do mundo, parte do continente africano, a leste do canal de Moçambique. Desgraçadamente, um dos 30 países mais pobres do mundo, onde mais de 80% da população vive com menos de 2 dólares por dia. Seu governo não é aceito como constitucional e legitimo pela comunidade internacional e seu atual presidente, é o golpista mais jovem do mundo.
Para quem gosta do diferente, de genuínas aventuras, que tal viajar a um país onde não se paga nada com cartão de credito, supermercados não existem, pouco e raro acesso a internet, seu smartphone vira um simples celular, pois lá só a Vodafone alemã tem contrato decente de dados com o país (a odiosa TIM mente descaradamente em seu site que tem transmissão de dados, mas não tem). Que tal se hospedar em quartos sem televisão ou ar condicionado, onde grande parte dos banheiros não tem porta e paredes só chegam pela metade? Ou seja, privacidade zero. Não existe chocolate digno do nome e nem qualquer petisco aos quais estamos acostumados. A comida é razoável, francesa adaptada, sempre servida em porções minúsculas. Os níveis de higiene, em geral, são baixíssimos. Eu e meu marido sofremos de diarreias constantes, febres ocasionais, minha pele virou um oceano de espinhas e cravos e infecções urinarias se fizeram presentes devido aos banheiros públicos medonhos. Só há farmácias dignas do nome nas quatro maiores cidades do país e o nível de hospitais e médicos é pavoroso. Ficar seriamente doente em Madagascar significa de uma, duas: morte certa ou transporte aéreo para Johannesburgo.
Isto posto, vamos à viagem em si: partimos para a capital, Antananarivo, e lá ficamos por dois dias no ótimo hotel suíço La Varangue. Enfatizo o suíço pois não há NADA malgaxe que preste. TEM que ser estrangeiro ou o turista está em maus lençóis. Antananarivo é uma das capitais mais desinteressantes do mundo, NADA o que fazer. Seguindo os conselhos do guia Lonely Planet, fizemos um longo e tenebroso passeio a pé pelos pontos supostamente interessantes. O lago, cartão postal da cidade, rodeado por espetaculares jacarandás floridos em tons de roxo, é, de longe, bonito. Quando se percorre as calcadas que margeiam o dito, a coisa é outra. Gente paupérrima, imunda, defecando no próprio lago e pelas calçadas. Depois deste alegre périplo, enfrentamos uma terrível ladeira para ver o ponto histórico principal, o palácio Rova. Um lugar de onde se pode ver em 360 graus toda a cidade. É muito interessante e a ÚNICA coisa relevante em termos históricos que vimos em 17 dias no país. La viveu uma rainha malvada que atirava padres católicos e outros desafetos colina baixo. Após torturas impronunciáveis. Para se visitar o Rova é necessário pagar propina aos guardas do lugar, pois visitas são oficialmente proibidas. Fora o guia falando um inglês que soava mais como chinês do que a língua de Shakespeare propriamente dita.
Alias, no capitulo dinheiro, é melhor levar uma mala cheia dele. Euros. Quase não aceitam dólares, cartão de credito não existe e 10.000 ariarys (nome da moeda do pais. E, sim, a língua malgaxe é totalmente ridícula e palavras simples e nomes de lugares são frequentemente impronunciáveis) valem três euros. Portanto, o pobre turista esta sempre carregando toneladas de notas da moeda que não vale nada. O custo de vida por lá é baratíssimo, mas as gorjetas que se tem que dar são múltiplas e merecidas. O povo é muito pobre e, em minha opinião, depois de mexicanos e brasileiros, nesta ordem, os mais simpáticos do planeta. São gente doce, leal, amável,; educados em sua pobreza extrema, sorridentes e incompreensivelmente felizes. Misteriosamente, com tanta miséria, é um país seguro, carros de turistas abertos, com toda a bagagem dentro é coisa comum, não sentimos o menor medo ou apreensão. São gente extremamente trabalhadora e acordam lá pelas 4.30 da matina. As cinco, já estão trabalhando ou fazendo exercício. Adoram correr. Também reciclam TUDO e um dos itens mais disputados são as garrafas plásticas que servem para usos múltiplos, inclusive em postos de gasolina informais, como recipientes de combustível. Lá seguem a máxima de que, na vida: Nada se perde, tudo se transforma.
O que não significa que sejam perfeitos recicladores, pois há lixo e imundície por toda parte. As feiras livres, pois não há armazéns ou supermercados, são a coisa mais nojenta que se possa imaginar: gatos percorrendo com tranquilidade os sacos de arroz e outros cereais, qualquer tipo de carne a venda sob o sol escaldante, sem qualquer tipo de refrigeração, NA calcada, ao rés do chão; moscas adornando os enormes pedaço de zebu, único gado do pais. Frangos e peixes seguem os mesmos padrões de higiene. Visitamos a estrela de tais mercados, um evento que ocorre sempre as segundas feiras perto de uma das grandes cidades. Não deu para aguentar mais do que 10 minutos. O cheiro é nauseante, os gritos dos porcos sendo executados é de cortar o coração, lixo abundante, povo olhando os poucos turistas que lá se aventuram como se fossem marcianos. Fuja!
Alias, por toda a região, se disputa, palmo a palmo, inclusive nas principais estradas do país (poucas asfaltadas e sempre com pista única), espaço com manadas de pobres e magros zebus, cabras e bodes e alguns seres humanos. À beira das ditas cujas, todo o tipo de manufatura medieval: forjarias a carvão e forca bruta, trabalhadores seminus; plantações de arroz e outras culturas onde não se vê uma maquina sequer. O que mais me impressionou foi uma operação ilegal de produção de rum. Me deu a horrível impressão dos tempos da escravatura, os negros utilizando moinhos de madeira e pedra, carregando tudo nas costas nuas, suando sob o sol forte, olhares infelizes e aflitos. Uma lastima...
Bem, depois de Antananarivo voamos em assustador avião pequeno,aquele com hélices mesmo e assentos consertados com fita crepe (o que dá o que pensar: o que mais é consertado na aeronave com fita crepe?) até Maraontsetra (que nome!), uma vila horrível, para embarcarmos em píer repleto de galinhas, ao Masoala Forest Lodge, na certa o ponto alto da viagem. Mas, como já vimos que nada é fácil em Madagascar, o trajeto de uma hora e meia de barco (bote de borracha!!!) até Masoala é uma das coisas mais apavorantes que já enfrentei na vida. Mar aberto e revolto, o Oceano Indico em todo o seu esplendor e ondas gigantes, nos fazendo passar apertado, até o paraíso. Sim, paraíso, acredite se quiser.
A floresta de Masoala é maravilhosa e quase intocada, arvores gigantescas, vegetação, fauna e flora únicos. A pousada é simples, mas limpa e confortável, boa comida e até vinhos sul africanos (o chileno estava estragado quando abrimos a garrafa do único exemplar existente na geladeira comunitária). Os quartos na verdade são tendas sob telhados e terraços de madeira, o banheiro uma cabana separada. Muito charmoso e romântico, exceto por: falta de energia elétrica e escorpiões no chuveiro. De resto, tudo bem. Diariamente, fazíamos caminhadas guiadas pela mata e vimos muitos lêmures e outras criaturas só existentes em Madagascar, atrações exclusivas. Aliás, é a razão principal para se visitar um pais tão difícil e deprimente. Flora e fauna são muito especiais e os lêmures são as estrelas absolutas. Lindos primatas que são uma mistura de macaco, gato e cachorro. O resultado são criaturas, lindas , ágeis, engraçadas e peludas. Lembram-se do desenho animado Madagascar? Eles eram os bonzinhos e as fossas os malvados. Não vimos fossas, infelizmente, pois são criaturas noturnas, muito difíceis de observar. Mas vimos uma infinidade de lagartos, lagartixas, cobras, camaleões, pererecas-tomate e pássaros maravilhosos.
O Masoala Lodge é um hotel de selva aonde se chega apenas a pé (80 km) ou de barco (40 km). Seu isolamento cria um clima divino de Jurassic Park e o melhor de tudo é a praia linda onde se pode entrar no mar clarinho e morno e descansar das longas e suarentas caminhadas pela floresta. O melhor de nossa viagem!
O terceiro ponto no trajeto foi Antsirabe, uma cidade feia e suja onde compramos bonito artesanato em lugares igualmente feios e sujos. O hotel, Couleur Café era bom, mas sofreu pane de luz por 3 horas. Energia elétrica em Madagascar é um problema serio. O banheiro do quarto era no meio do dito, nada de paredes, privada exposta e só com banheira, nada de chuveiro. O conceito de chuveiro por ali é aquele tipo telefone. Um pé no saco para dizer o mínimo. Agua quente nem sempre se faz presente, nem mesmo em estabelecimentos supostamente estrelados...
Depois de Antsirabe, outra favela. Favela? Sim, pois se tem a sensação de que se está sempre dentro de uma favela, pois todas as cidades são no mesmo nível de pobreza e primitivismo, com pequenos bolsões de um pouco mais de civilização aqui e ali. Não é possível passear pelas cidades, não há calcadas. É tudo terra e gente vendendo coisas pelo que supostamente deveriam ser calcadas, caminhos de pedestres. Um horror! Aliás, Madagascar se encaixa com perfeição na palavras clássicas e imortais de Joseph Conrad em sua obra prima Heart of Darkness, sobre a África. Oh! The horror, the horror! Para ele e para mim, como brasileira. Para os europeus, uma delicia! Acham tudo exótico e interessante, tiram fotos dos miseráveis e suas condições de vida abomináveis, sem parar. Interagem com todos, principalmente com as crianças. Para mim, como brasileira, não consigo ver graça em pobreza.Só sinto uma imensa tristeza em ver gente pobre, suja, vivendo como na Idade Media, sem perspectiva alguma de melhora. A expectativa de vida em Madagascar é de, no máximo 50 anos. Que graça pode ter isso?
Mas como dizia o sábio Joãozinho Trinta, da escola de samba Beija Flor: pobre gosta de luxo, rico é que gosta de miséria. Eu, nascida e convivendo constantemente com a pobreza do povo brasileiro, abomino o sofrimento de mais de um bilhão de pessoas no planeta que vivem com os acima citados menos de dois dólares por dia. Eu e o Joaozinho Trinta gostamos de luxo e alegria. Nem precisa ser luxo: decência, limpeza e justiça já estão de bom tamanho.
O favelão Fianarantsoa nada tem a oferecer, mas o parque nacional quase adjacente, Ranomafana tem. E muito. É uma belíssima floresta cheia de lêmures e o contato com eles é sensacional. Chegam muito perto de nós, não tem o menor medo e até brincam com os turistas. Um bebe-lêmure provocou meu marido por ao menos 15 minutos, fingindo que ia pular nele. O tipo de lêmure, sifaka, é o rei deles. Sensacional! Mas como e tudo penoso em Madagascar, para ver tais raridades é necessário fazer trilhas de horas pela selva húmida e quente, lama em subidas e descidas mortais, mosquitos alucinantes e sanguessugas que tentam entrar por toda a superfície do seu corpo e alguns orifios também. Mas vale a pena, é um grande exercício e os lêmures são sensacionais. Pássaros raros eventualmente fazendo aparições rápidas. E mais um preço a pagar: duas noites em imundo hotel de propriedade malgaxe, comida péssima, lençóis fedorentos, toalhas com suspeitas manchas de sangue e chuveiro não digo do nome. Ai ai ai!
Próxima parada, Ambalavo, onde nos hospedamos em pousada de engraçados franceses (energia nas tomadas de parede só de 6 da tarde a 9 da noite), um alivio. Boa comida, tudo muito limpo e bem decorado, o luxo de uma piscina com vista maravilhosa. O parque Anja, perto dali, oferece um show de lêmures mansos e acessíveis. Mas..... É necessário pular de pedra em pedra, algumas imensas e verticais, usarcordas e dependurar-se em abismos para vê-los. No dia seguinte, Camp Catta e suas belíssimas paisagens rochosas. Mais lêmures e pedras, mas nãotão radical como o Anja. O entorno e paisagem de sonho onde há ate um restaurante simples, mas servindo foie gras maravilhoso. Só em Madagascar mesmo. But..... Para chegar ao Camp Catta é necessário percorrer uma infernal estrada de terra por 2 horas. Vale, pois o lugar é lindo e as caminhadas, sensacionais. É um dos poucos lugares do país que nos encantou e para onde, em outra vida, voltaríamos. Apesar de ser um camping, e possível hospedar-se em belos e confortáveis chalés. Energia elétrica, às vezes...
Depois disso, luxo quase total: Le Jardin du Roy, um hotel surpreendentemente celestial em meio a rochas de formações intrigantes, ao lado do Parque Nacional Isalo. O parque é fabuloso para caminhadas, com direito a oásis e piscinas naturais em meio a paisagens desérticas e formações rochosas das mais interessantes. Tudo muito quente e ensolarado, e claro, trekking duro, mas muito legal. Depois do exercício, o conforto dos magníficos quartos do hotel, inteiramente construídos em pedras e madeiras de lei; de um bom gosto que só os franceses mesmo são capazes. Por que tanto francês? O pais foi colônia da França e a maioria dos turistas vem de lá. Muitos estabelecimentos turísticos pertencem a eles também. Mas, o lugar é quente, já mais ao sul do pais, árido e seco e não há energia entre meia noite e seis da manha. Noites fumegantes em local que chega fácil aos 40 graus durante o dia. Ironia: um dos pouquíssimos lugares com ar condicionado, onde não se pode dormir beneficiado por ele. Coisas de Madagascar...
No capitulo construções com madeira e necessário mencionar que o pais sofreu e sofre de um dos mais avassaladores desmatamentos do mundo (o da nossa Amazônia é piada perto do de lá) e ver lindos moveis em jacarandá, pisos portentosos e outros que tais, mais deprime do que impressiona. Dirigir e voar pelo pais mostra bem que tais mimos nunca deveriam existir. Nota: não há programas de reflorestamento e nem plantações de arvores de corte.
Ultima parada: Ifaty. Bonitas praias dando para o Canal de Moçambique, parecendo com as nossas, cearenses, mar lindo. Bom hotel, pé na areia. MAS.......
Não se pode passear tranquilo, caminhar nas praias sem ser assediado infernalmente por vendedores e mendigos. Crianças nuas e imundas, fazendo cocô no mar. Propostas sexuais múltiplas, na forma de convites para festas e massagens. Inclusive de crianças de 8 anos de idade. Deprimente. Biquíni, só na piscina do hotel. Corais, ouriços e sujeira também impedem caminhadas. Calorão, e, outra vez, nada de ar condicionado no quarto. Mas com direito a lacraia venenosa afiando as presas para nós, a ponto de nos atacar dentro do mosquiteiro que cobria a cama. Nesta região as lagartixas cantam alto à noite. Dentro dos chalés cujo teto de palha exibe buracos que possibilitam a entrada de variadas criaturas peçonhentas. No terraço, festa de centenas de baratas que, feliz e misteriosamente, não entram no quarto.
Da capital até Ifaty, percorremos mais de 1000 quilômetros em bom carro com ar condicionado que nosso motorista detestava usar e acompanhados de um guia maravilhoso, Noel. Da empresa local, mas de dona suíça, Wild Madagascar. Tudo funciona muito bem. Outra loucura do pais: só se aluga carro com um ser humano dentro. Não se viaja de modo independente. Nunca. Não se caminha por parques sem guia (e os ditos são em sua maioria chaníssimos). Não há qualquer placa indicando se se deve virar à direita ou à esquerda e nem qualquer indicação de quilometragem ou mesmo para onde se está indo.Sinalização zero! Portanto, o motorista é mais do que necessário. Mas.... Eles e os guias fedem miseravelmente e por 9 dias tivemos que amargar tais odores. Parte da aventura. Melhor que enfrentar a total falta de transporte publico em Madagascar. Não existem ônibus, só vans em que, se cabem 12 vão 24, com galinas e porcos no teto do carro. Junto com suas malas...
A quem recomendo Madagascar?
A gente fanática por natureza e bichos , trekking, interessados em culturas africanas e a loucos varridos como meu marido e eu que nos metemos nesta fria. O custo beneficio é baixo, se vê pouco e se paga muito. A aventura custa cerca de 1200 reais por pessoa, por dia, incluindo inúmeros vôos na aero-terror Air Madagascar e os percursos transcontinentais na ótima South African Airways.
Mas é aventura mesmo, não para os fracos de espirito e estomago. E para quem quer algo diferente, sem ir à lua, por exemplo, viva Madagascar!
Oceano Atlântico, 15 de novembro de 2011.
Muitos se queixam de que o mundo está totalmente padronizado, um país se parece muito com o outro, as mesmas lojas, os mesmos Mc Donald’s, os mesmos shoppings. Pois, para quem quer sair da mesmice de Miami, Disney, Nova York, Paris, Londres e Roma, aqui vai a indicação: Madagascar. Na certa, o país mais louco e diferente que já visitei em mais de 21 anos de viagens constantes.
O país e a quarta maior ilha do mundo, parte do continente africano, a leste do canal de Moçambique. Desgraçadamente, um dos 30 países mais pobres do mundo, onde mais de 80% da população vive com menos de 2 dólares por dia. Seu governo não é aceito como constitucional e legitimo pela comunidade internacional e seu atual presidente, é o golpista mais jovem do mundo.
Para quem gosta do diferente, de genuínas aventuras, que tal viajar a um país onde não se paga nada com cartão de credito, supermercados não existem, pouco e raro acesso a internet, seu smartphone vira um simples celular, pois lá só a Vodafone alemã tem contrato decente de dados com o país (a odiosa TIM mente descaradamente em seu site que tem transmissão de dados, mas não tem). Que tal se hospedar em quartos sem televisão ou ar condicionado, onde grande parte dos banheiros não tem porta e paredes só chegam pela metade? Ou seja, privacidade zero. Não existe chocolate digno do nome e nem qualquer petisco aos quais estamos acostumados. A comida é razoável, francesa adaptada, sempre servida em porções minúsculas. Os níveis de higiene, em geral, são baixíssimos. Eu e meu marido sofremos de diarreias constantes, febres ocasionais, minha pele virou um oceano de espinhas e cravos e infecções urinarias se fizeram presentes devido aos banheiros públicos medonhos. Só há farmácias dignas do nome nas quatro maiores cidades do país e o nível de hospitais e médicos é pavoroso. Ficar seriamente doente em Madagascar significa de uma, duas: morte certa ou transporte aéreo para Johannesburgo.
Isto posto, vamos à viagem em si: partimos para a capital, Antananarivo, e lá ficamos por dois dias no ótimo hotel suíço La Varangue. Enfatizo o suíço pois não há NADA malgaxe que preste. TEM que ser estrangeiro ou o turista está em maus lençóis. Antananarivo é uma das capitais mais desinteressantes do mundo, NADA o que fazer. Seguindo os conselhos do guia Lonely Planet, fizemos um longo e tenebroso passeio a pé pelos pontos supostamente interessantes. O lago, cartão postal da cidade, rodeado por espetaculares jacarandás floridos em tons de roxo, é, de longe, bonito. Quando se percorre as calcadas que margeiam o dito, a coisa é outra. Gente paupérrima, imunda, defecando no próprio lago e pelas calçadas. Depois deste alegre périplo, enfrentamos uma terrível ladeira para ver o ponto histórico principal, o palácio Rova. Um lugar de onde se pode ver em 360 graus toda a cidade. É muito interessante e a ÚNICA coisa relevante em termos históricos que vimos em 17 dias no país. La viveu uma rainha malvada que atirava padres católicos e outros desafetos colina baixo. Após torturas impronunciáveis. Para se visitar o Rova é necessário pagar propina aos guardas do lugar, pois visitas são oficialmente proibidas. Fora o guia falando um inglês que soava mais como chinês do que a língua de Shakespeare propriamente dita.
Alias, no capitulo dinheiro, é melhor levar uma mala cheia dele. Euros. Quase não aceitam dólares, cartão de credito não existe e 10.000 ariarys (nome da moeda do pais. E, sim, a língua malgaxe é totalmente ridícula e palavras simples e nomes de lugares são frequentemente impronunciáveis) valem três euros. Portanto, o pobre turista esta sempre carregando toneladas de notas da moeda que não vale nada. O custo de vida por lá é baratíssimo, mas as gorjetas que se tem que dar são múltiplas e merecidas. O povo é muito pobre e, em minha opinião, depois de mexicanos e brasileiros, nesta ordem, os mais simpáticos do planeta. São gente doce, leal, amável,; educados em sua pobreza extrema, sorridentes e incompreensivelmente felizes. Misteriosamente, com tanta miséria, é um país seguro, carros de turistas abertos, com toda a bagagem dentro é coisa comum, não sentimos o menor medo ou apreensão. São gente extremamente trabalhadora e acordam lá pelas 4.30 da matina. As cinco, já estão trabalhando ou fazendo exercício. Adoram correr. Também reciclam TUDO e um dos itens mais disputados são as garrafas plásticas que servem para usos múltiplos, inclusive em postos de gasolina informais, como recipientes de combustível. Lá seguem a máxima de que, na vida: Nada se perde, tudo se transforma.
O que não significa que sejam perfeitos recicladores, pois há lixo e imundície por toda parte. As feiras livres, pois não há armazéns ou supermercados, são a coisa mais nojenta que se possa imaginar: gatos percorrendo com tranquilidade os sacos de arroz e outros cereais, qualquer tipo de carne a venda sob o sol escaldante, sem qualquer tipo de refrigeração, NA calcada, ao rés do chão; moscas adornando os enormes pedaço de zebu, único gado do pais. Frangos e peixes seguem os mesmos padrões de higiene. Visitamos a estrela de tais mercados, um evento que ocorre sempre as segundas feiras perto de uma das grandes cidades. Não deu para aguentar mais do que 10 minutos. O cheiro é nauseante, os gritos dos porcos sendo executados é de cortar o coração, lixo abundante, povo olhando os poucos turistas que lá se aventuram como se fossem marcianos. Fuja!
Alias, por toda a região, se disputa, palmo a palmo, inclusive nas principais estradas do país (poucas asfaltadas e sempre com pista única), espaço com manadas de pobres e magros zebus, cabras e bodes e alguns seres humanos. À beira das ditas cujas, todo o tipo de manufatura medieval: forjarias a carvão e forca bruta, trabalhadores seminus; plantações de arroz e outras culturas onde não se vê uma maquina sequer. O que mais me impressionou foi uma operação ilegal de produção de rum. Me deu a horrível impressão dos tempos da escravatura, os negros utilizando moinhos de madeira e pedra, carregando tudo nas costas nuas, suando sob o sol forte, olhares infelizes e aflitos. Uma lastima...
Bem, depois de Antananarivo voamos em assustador avião pequeno,aquele com hélices mesmo e assentos consertados com fita crepe (o que dá o que pensar: o que mais é consertado na aeronave com fita crepe?) até Maraontsetra (que nome!), uma vila horrível, para embarcarmos em píer repleto de galinhas, ao Masoala Forest Lodge, na certa o ponto alto da viagem. Mas, como já vimos que nada é fácil em Madagascar, o trajeto de uma hora e meia de barco (bote de borracha!!!) até Masoala é uma das coisas mais apavorantes que já enfrentei na vida. Mar aberto e revolto, o Oceano Indico em todo o seu esplendor e ondas gigantes, nos fazendo passar apertado, até o paraíso. Sim, paraíso, acredite se quiser.
A floresta de Masoala é maravilhosa e quase intocada, arvores gigantescas, vegetação, fauna e flora únicos. A pousada é simples, mas limpa e confortável, boa comida e até vinhos sul africanos (o chileno estava estragado quando abrimos a garrafa do único exemplar existente na geladeira comunitária). Os quartos na verdade são tendas sob telhados e terraços de madeira, o banheiro uma cabana separada. Muito charmoso e romântico, exceto por: falta de energia elétrica e escorpiões no chuveiro. De resto, tudo bem. Diariamente, fazíamos caminhadas guiadas pela mata e vimos muitos lêmures e outras criaturas só existentes em Madagascar, atrações exclusivas. Aliás, é a razão principal para se visitar um pais tão difícil e deprimente. Flora e fauna são muito especiais e os lêmures são as estrelas absolutas. Lindos primatas que são uma mistura de macaco, gato e cachorro. O resultado são criaturas, lindas , ágeis, engraçadas e peludas. Lembram-se do desenho animado Madagascar? Eles eram os bonzinhos e as fossas os malvados. Não vimos fossas, infelizmente, pois são criaturas noturnas, muito difíceis de observar. Mas vimos uma infinidade de lagartos, lagartixas, cobras, camaleões, pererecas-tomate e pássaros maravilhosos.
O Masoala Lodge é um hotel de selva aonde se chega apenas a pé (80 km) ou de barco (40 km). Seu isolamento cria um clima divino de Jurassic Park e o melhor de tudo é a praia linda onde se pode entrar no mar clarinho e morno e descansar das longas e suarentas caminhadas pela floresta. O melhor de nossa viagem!
O terceiro ponto no trajeto foi Antsirabe, uma cidade feia e suja onde compramos bonito artesanato em lugares igualmente feios e sujos. O hotel, Couleur Café era bom, mas sofreu pane de luz por 3 horas. Energia elétrica em Madagascar é um problema serio. O banheiro do quarto era no meio do dito, nada de paredes, privada exposta e só com banheira, nada de chuveiro. O conceito de chuveiro por ali é aquele tipo telefone. Um pé no saco para dizer o mínimo. Agua quente nem sempre se faz presente, nem mesmo em estabelecimentos supostamente estrelados...
Depois de Antsirabe, outra favela. Favela? Sim, pois se tem a sensação de que se está sempre dentro de uma favela, pois todas as cidades são no mesmo nível de pobreza e primitivismo, com pequenos bolsões de um pouco mais de civilização aqui e ali. Não é possível passear pelas cidades, não há calcadas. É tudo terra e gente vendendo coisas pelo que supostamente deveriam ser calcadas, caminhos de pedestres. Um horror! Aliás, Madagascar se encaixa com perfeição na palavras clássicas e imortais de Joseph Conrad em sua obra prima Heart of Darkness, sobre a África. Oh! The horror, the horror! Para ele e para mim, como brasileira. Para os europeus, uma delicia! Acham tudo exótico e interessante, tiram fotos dos miseráveis e suas condições de vida abomináveis, sem parar. Interagem com todos, principalmente com as crianças. Para mim, como brasileira, não consigo ver graça em pobreza.Só sinto uma imensa tristeza em ver gente pobre, suja, vivendo como na Idade Media, sem perspectiva alguma de melhora. A expectativa de vida em Madagascar é de, no máximo 50 anos. Que graça pode ter isso?
Mas como dizia o sábio Joãozinho Trinta, da escola de samba Beija Flor: pobre gosta de luxo, rico é que gosta de miséria. Eu, nascida e convivendo constantemente com a pobreza do povo brasileiro, abomino o sofrimento de mais de um bilhão de pessoas no planeta que vivem com os acima citados menos de dois dólares por dia. Eu e o Joaozinho Trinta gostamos de luxo e alegria. Nem precisa ser luxo: decência, limpeza e justiça já estão de bom tamanho.
O favelão Fianarantsoa nada tem a oferecer, mas o parque nacional quase adjacente, Ranomafana tem. E muito. É uma belíssima floresta cheia de lêmures e o contato com eles é sensacional. Chegam muito perto de nós, não tem o menor medo e até brincam com os turistas. Um bebe-lêmure provocou meu marido por ao menos 15 minutos, fingindo que ia pular nele. O tipo de lêmure, sifaka, é o rei deles. Sensacional! Mas como e tudo penoso em Madagascar, para ver tais raridades é necessário fazer trilhas de horas pela selva húmida e quente, lama em subidas e descidas mortais, mosquitos alucinantes e sanguessugas que tentam entrar por toda a superfície do seu corpo e alguns orifios também. Mas vale a pena, é um grande exercício e os lêmures são sensacionais. Pássaros raros eventualmente fazendo aparições rápidas. E mais um preço a pagar: duas noites em imundo hotel de propriedade malgaxe, comida péssima, lençóis fedorentos, toalhas com suspeitas manchas de sangue e chuveiro não digo do nome. Ai ai ai!
Próxima parada, Ambalavo, onde nos hospedamos em pousada de engraçados franceses (energia nas tomadas de parede só de 6 da tarde a 9 da noite), um alivio. Boa comida, tudo muito limpo e bem decorado, o luxo de uma piscina com vista maravilhosa. O parque Anja, perto dali, oferece um show de lêmures mansos e acessíveis. Mas..... É necessário pular de pedra em pedra, algumas imensas e verticais, usarcordas e dependurar-se em abismos para vê-los. No dia seguinte, Camp Catta e suas belíssimas paisagens rochosas. Mais lêmures e pedras, mas nãotão radical como o Anja. O entorno e paisagem de sonho onde há ate um restaurante simples, mas servindo foie gras maravilhoso. Só em Madagascar mesmo. But..... Para chegar ao Camp Catta é necessário percorrer uma infernal estrada de terra por 2 horas. Vale, pois o lugar é lindo e as caminhadas, sensacionais. É um dos poucos lugares do país que nos encantou e para onde, em outra vida, voltaríamos. Apesar de ser um camping, e possível hospedar-se em belos e confortáveis chalés. Energia elétrica, às vezes...
Depois disso, luxo quase total: Le Jardin du Roy, um hotel surpreendentemente celestial em meio a rochas de formações intrigantes, ao lado do Parque Nacional Isalo. O parque é fabuloso para caminhadas, com direito a oásis e piscinas naturais em meio a paisagens desérticas e formações rochosas das mais interessantes. Tudo muito quente e ensolarado, e claro, trekking duro, mas muito legal. Depois do exercício, o conforto dos magníficos quartos do hotel, inteiramente construídos em pedras e madeiras de lei; de um bom gosto que só os franceses mesmo são capazes. Por que tanto francês? O pais foi colônia da França e a maioria dos turistas vem de lá. Muitos estabelecimentos turísticos pertencem a eles também. Mas, o lugar é quente, já mais ao sul do pais, árido e seco e não há energia entre meia noite e seis da manha. Noites fumegantes em local que chega fácil aos 40 graus durante o dia. Ironia: um dos pouquíssimos lugares com ar condicionado, onde não se pode dormir beneficiado por ele. Coisas de Madagascar...
No capitulo construções com madeira e necessário mencionar que o pais sofreu e sofre de um dos mais avassaladores desmatamentos do mundo (o da nossa Amazônia é piada perto do de lá) e ver lindos moveis em jacarandá, pisos portentosos e outros que tais, mais deprime do que impressiona. Dirigir e voar pelo pais mostra bem que tais mimos nunca deveriam existir. Nota: não há programas de reflorestamento e nem plantações de arvores de corte.
Ultima parada: Ifaty. Bonitas praias dando para o Canal de Moçambique, parecendo com as nossas, cearenses, mar lindo. Bom hotel, pé na areia. MAS.......
Não se pode passear tranquilo, caminhar nas praias sem ser assediado infernalmente por vendedores e mendigos. Crianças nuas e imundas, fazendo cocô no mar. Propostas sexuais múltiplas, na forma de convites para festas e massagens. Inclusive de crianças de 8 anos de idade. Deprimente. Biquíni, só na piscina do hotel. Corais, ouriços e sujeira também impedem caminhadas. Calorão, e, outra vez, nada de ar condicionado no quarto. Mas com direito a lacraia venenosa afiando as presas para nós, a ponto de nos atacar dentro do mosquiteiro que cobria a cama. Nesta região as lagartixas cantam alto à noite. Dentro dos chalés cujo teto de palha exibe buracos que possibilitam a entrada de variadas criaturas peçonhentas. No terraço, festa de centenas de baratas que, feliz e misteriosamente, não entram no quarto.
Da capital até Ifaty, percorremos mais de 1000 quilômetros em bom carro com ar condicionado que nosso motorista detestava usar e acompanhados de um guia maravilhoso, Noel. Da empresa local, mas de dona suíça, Wild Madagascar. Tudo funciona muito bem. Outra loucura do pais: só se aluga carro com um ser humano dentro. Não se viaja de modo independente. Nunca. Não se caminha por parques sem guia (e os ditos são em sua maioria chaníssimos). Não há qualquer placa indicando se se deve virar à direita ou à esquerda e nem qualquer indicação de quilometragem ou mesmo para onde se está indo.Sinalização zero! Portanto, o motorista é mais do que necessário. Mas.... Eles e os guias fedem miseravelmente e por 9 dias tivemos que amargar tais odores. Parte da aventura. Melhor que enfrentar a total falta de transporte publico em Madagascar. Não existem ônibus, só vans em que, se cabem 12 vão 24, com galinas e porcos no teto do carro. Junto com suas malas...
A quem recomendo Madagascar?
A gente fanática por natureza e bichos , trekking, interessados em culturas africanas e a loucos varridos como meu marido e eu que nos metemos nesta fria. O custo beneficio é baixo, se vê pouco e se paga muito. A aventura custa cerca de 1200 reais por pessoa, por dia, incluindo inúmeros vôos na aero-terror Air Madagascar e os percursos transcontinentais na ótima South African Airways.
Mas é aventura mesmo, não para os fracos de espirito e estomago. E para quem quer algo diferente, sem ir à lua, por exemplo, viva Madagascar!
Oceano Atlântico, 15 de novembro de 2011.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
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