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terça-feira, 22 de outubro de 2024

BRAZIL BIZARRO - AMETISTA DO SUL, SALTO DO YUCUMÃ E ITÁ - OUTUBRO 2024

BRAZIL BIZARRO – AMETISTA DO SUL, SALTO DO YUCUMÃ E ITÁ 0utubro de 2024 Acredite se quiser, mas a maior jazida de ametistas do mundo se encontra no Rio Grande do Sul em extensas minas cobertas parcialmente por uma cidade mega brega de 8000 habitantes. Tudo lá gira em torno da bonita pedra roxa. Igreja Matriz com paredes revestidas de ametistas, fonte com ametista gigante na praça principal, minas ativas, outras abandonadas, uma infinidade de lojas vendendo ametistas de todos os tamanhos e tons de roxo. Esculturas, objetos, bichos, joias, sofás, poltronas e mesas num carnaval de mau gosto difícil de acreditar. No entanto, para os habitantes da região é uma atividade econômica importante que emprega mais de mil pessoas nos garimpos e outro tanto, significativo, no turismo. Há quer se dar crédito a criatividade e ousadia do entorno. O lugar é tão improvável que se torna interessante e creio ter bom futuro turístico como uma espécie de Disney das Ametistas. Por enquanto, estradas detonadas, hospedagem e comida fracas limitam o potencial da região, mas nada que desanime os intrépidos e alegres ametistenses. A vida deles é pedra roxa e levam tudo muito a sério. Há museus bem montados, minas ativas com demonstrações fascinantes da extração das ametistas, garimpeiros cantando e tocando sanfona, tudo é musicado e com trilha sonora permanente; até em dia de chuva num trenzinho mixuruca e sacolejante percorrendo florestas e minas abandonadas. Tudo bastante interativo, com turistas simulando detonações de cavernas, almoços dentro das minas, lojas subterrâneas, cervejaria, queijaria, chocolates, vinhos locais péssimos, souvenires esdrúxulos, tudo organizado dentro das minas. Para quem não gosta de lugares escuros e húmidos talvez as compras e refeições “underground” não sejam a melhor opção. Há até um Museu do Bambu, que conta a história desta planta tão útil e resistente. Nada a ver com ametistas, mas varia um pouco do mono-tema da cidade e é bastante educativo. Como a natureza é e sempre foi o carro-chefe brasileiro, não muito longe dali existe um parque estadual chamado Turvo, na fronteira com a Argentina. Lindo e bem administrado pela mesma empresa que tem a concessão turística das Cataratas do Iguaçu, o top de linha do parque é o Salto do Yucumã, a maior queda d’agua do mundo em extensão. O interessante e bizarro da coisa, é que a cachoeira gigante está do lado argentino, mas só pode ser vista do Brasil e é um tanto temperamental e imprevisível. Só aparece quando chove pouco. Não deu o ar de sua graça quando estivemos por lá, mas foi interessante ver a bela floresta, as revoadas impressionantes de borboletas multicoloridas e a imensidão turbulenta e caudalosa do rio Uruguai. No centro turístico de Derrubadas, cidade limpinha e organizada que serve de base ao passeio, pode-se tirar foto-fake do Salto com você em frente a ele. Até isso é bizarro, sem falar do nome da cidade, uma homenagem aos fundadores do povoado que derrubaram centenas de araucárias e se orgulhavam disso. Derrubar era legal e por que não dar o nome de Derrubadas ao lugar onde se perpetrou este verdadeiro crime ecológico? No Brasil Bizarro vale tudo... Tanto Ametista do Sul, Derrubadas e o Parque Estadual do Turvo são alcançáveis da cidade de Chapecó, onde existe um aeroporto decente e uma tocante homenagem ao time de futebol da cidade que morreu inteiro num acidente aéreo também bizarro, na bizarra terra de Pablo Escobar, Medellín. O último ato desta estranha viagem de uma semana, foi a esquisitíssima Itá, ainda menor do que Ametista do Sul e em solo catarinense. Nova Itá conta com umas 7000 almas distribuídas por uma melancólica cidade planejada, pois a original foi tragada pela represa ali perto e só sobraram as duas torres da antiga igreja. Na bem montada Casa de Cultura, um vídeo triste narrado pelo falecido Gianfrancesco Guarnieri, conta a história de gente que teve que sair de casas e sítios para dar lugar ao progresso em forma de usina hidroelétrica. Há bonita vista das tristes torres, fantasmas cercados de água e testemunhas do périplo local. A visita vale pelas belas paisagens montanhosas, o por do sol adorável emoldurando a represa, a história e a resiliência da gente de Itá. Apenas algumas horas, uma noite no máximo, pois o melhor hotel da área é um dos piores resorts do Brasil, o Itá Thermas. Feio, sujo, comida horrível, centenas de criancinhas uivantes, hordas de gente obesa e suada em roupão de banho seja no almoço ou no jantar, um circo de horrores e música sertaneja quase 24 horas ao dia. Ficamos duas noites neste pesadelo quando poderíamos ter ficado confortavelmente na limpa, moderna e organizada Chapecó. Coisas do Brasil Bizarro e bonito que vale a pena ser conhecido. Num mundo padronizado de shoppings, lojas idênticas de cadeias multinacionais e multidões de turistas genéricos, nosso país oferece aventura e absurdo. Com o toque simpático de nossa gente, muito bom humor e uma ingenuidade e ignorância tocantes. Viva o Brasil! São Paulo, 22 de outubro de 2024.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

MEU JAPÃO - OUTUBRO 2024

MEU JAPÃO – PARTE DOIS SETEMBRO\OUTUBRO 2024 Viajar ao Japão duas vezes em um ano parece meio maluco devido a enorme distância do Brasil e suas inevitáveis consequências de jet lag, um parafuso total. Nunca pensei que isso ocorreria, totalmente inesperado. E foi excelente, gostei ainda mais do que a primeira vez, pois esta segunda rodada foi totalmente independente de excursões e o medo da língua incompreensível, do inesperado, do exótico, do gigantismo de Tóquio ou Osaka, mesmo para uma velha paulistana bastante experiente; um temor que se dissipou já nos primeiros momentos ao tomar o bom e velho Narita Express que liga o aeroporto ao centro de Tóquio. Nem sequer reservas de trens tínhamos, fizemos tudo passando a alfandega, na agência da Japan Rail, onde os funcionários falam inglês e se esforçam ao máximo para ajudar. Isso no Japão inteiro, sempre. Tóquio pela segunda vez foi ainda mais fascinante e movimentada, apesar de quente, úmida e as vezes bastante chuvosa. Repetimos algumas coisas, outras novas como a maravilhosa Nikko e seu parque nacional deslumbrante, a cerca de duas horas de carro da cidade. Optamos por um motorista do aplicativo Get Your Guide, que funcionou muito bem. Passeio longo, dia inteiro, para ver os fantásticos templos, cachoeiras e lagos de Nikko, um dos lugares mais bonitos do Japão, coisa de pinturas tradicionais, encravados em meio a uma floresta densa e repleta de macacos que não incomodam ninguém e dão um toque especial ao belo parque. No setor parque urbano, Ueno é um show no centro de Tóquio, com direito a vários museus e teatros. O templo Meiji em Shibuya é o toque zen em meio a um verde que parece calmo e impossível na maior metrópole do planeta, hoje em dia com mais de 35 milhões de seres humanos. Na cidade visitamos também o Skytree, que em dia bonito oferece uma vista surreal do Monte Fuji. Infelizmente, como todas as principais atrações do país, muito cheio, o que atrapalha um pouco. Mas viajar ao Japão é ter que enfrentar multidões, devido a alta densidade populacional das ilhas. Para se ter uma ideia: a deles é cerca de 337 habitantes por quilometro quadrado, a nossa é 25. Portanto, preparem a paciência ... Visitas gastronômicas foram do típico local ao italiano, passando por francês e até indiano. Desta vez me aventurei mais, comendo caranguejos e camarões crus no mercado de Tóquio, frango vermelho num minúsculo restaurante indiano no interior do país, frutas maravilhosas sem lavar, pela rua, vários tipos de atum ou vieiras cruas no mercado de Kyoto, uma festa de sabores e cores dos mais variados. Tudo limpo, em geral simples e com digestão perfeita. Quando se acha que aquelas comidas exóticas todas vão acabar com a viagem, surpresa! Nunca passamos mal, não sei qual é o segredo. Comemos muita carne, massa, queijos, doces além da peixarada de costume. Saquê, cerveja, vinho, o Japão é saudável e uma festa permanente. Descobrimos até o divino e inusitado chocolate-biscoito, típico da distante Hokkaido, um sonho... Tóquio foi o início e o fim da viagem, seguido por Kyoto que desta vez gostei bem mais (show de templos e história), Himeji e seu castelo branco, o único preservado no Japão, aonde tudo parece ter pegado fogo ou ter sido destruído através dos séculos. Himeji é um fantasmão gigante, lugar de fácil acesso perto de Hiroshima. De bom só o castelo mesmo, o resto é sem graça. Em Hiroshima não quis ir ao Memorial da Bomba Atômica, pois é muito triste e já tinha estado no ano passado. Fui ao castelo local e aos museus de arte internacional e japonesa. Ousei cortar o cabelo num belo salão onde me comuniquei com os gentis profissionais por Google Translate e funcionou. Uma experiência inesquecível, só possível num país aonde a gentileza, os bons modos e a paciência imperam. Desta vez escolhi a Hiroshima moderna, ensolarada, jovem e alegre, distante do passado triste e sóbrio da Segunda Guerra Mundial. E de lá voamos com a ótima JAL a Hokkaido. Sua capital, Sapporo, é um lugar vibrante, ponto de partida a Otaru, Yoichi e a beleza do mar cercado por montanhas e muito verde. Tudo de trem, que é duro com malas, mas vale a pena por se estar mais perto do povo japonês, seus hábitos e costumes, utilizando um meio de transporte que é parte essencial da cultura japonesa. Em Yoichi visitamos a destilaria Nikka e nos encantamos com a história deste desbravador japonês, que nos idos de 1920 foi a Escócia estudar como se faz whiskey, casou-se com uma escocesa, voltou ao Japão e fundou uma destilaria. Projeto ambicioso que angariou dos próprios britânicos o troféu de melhor whisky do mundo, em 2010. São mesmo excelentes e a loja é um sonho. O restaurante, Rita’s Kitchen é uma bizarra tentativa de comida fusion escocesa-nipônica, com resultados um tanto estranhos. Que valem pela experiencia, bom humor e os drinques com produtos locais, já as 11.00 da manhã! Outros passeios em Hokkaido incluíram o lago azul Biei e uma fazenda de flores em Furano. Tudo bonito e interessante, mas a ilha de Hokkaido é grande e variada, merecendo muito mais tempo do que os meros quatro dias que por lá passamos. Aliás, isso é um grande problema quando se visita o Japão: há tanto, mas tanto o que ver, que vinte dias da primeira vez e dezessete desta segunda aventura, parecem frustrantemente pouco. Voltei a Nara e me deliciei com o templo do Buda Gigante, de novo, como se nunca o houvesse visto. Os divertidos veadinhos soltos pelos parques, um grupo de senhores e senhoras japonesas que falavam um pouco de inglês, nos deram origamis locais e queriam saber coisas sobre nossos países. Quando se pensa que querem vender algo, coisa comum no mundo todo, no Japão se aproximam para dar as boas-vindas e tentar comunicação com estrangeiros. Receber bem os turistas e praticar o parco inglês, que é ainda um desafio neste país tão rico e civilizado. Voltei também, por poucas horas e desta vez gostei bem mais, a Osaka e à maluquice de Dotonbori e a vista e pôr do sol encantadores e majestosos do impressionante Umeda Sky Building. Como no ano quem vem a exposição internacional Expo 2025 será em Osaka, vale a dica. Como a comida japonesa está na moda e atrai tantos turistas, principalmente jovens do mundo inteiro, aqui vão minhas dicas pessoais. Dicas de quem não é grande fã da culinária oriental, de um modo geral, de uma viajante que SEMPRE prefere o italiano e o francês, nesta ordem. Em Kyoto, o mercado Nishiki e suas inúmeras possibilidades. Em Nara, as carnes soberbas do fino Nagomi. Em Sapporo, o surreal king crab do Sushizaimai, um delicioso e monstruoso caranguejo gigante que dá de mil na famosa e caríssima centolla chilena e os doces finíssimos, sutis e incrivelmente baratos da confeitaria Ishiya. No famoso mercado de Tóquio, vieiras cruas direto das peixarias vale a pena para quem gosta, mas há muitos restaurantes caros e pega-trouxa por ali. É tudo muito lotado e nem se compara a experiencia do mercado de Kyoto. Mais para ver e se divertir com o visual, a movimentação e a limpeza do lugar. Pertinho dali, num lugar minúsculo e descoladinho, tentamos um hamburguer japonês no Ju the burger Higashi Ginza (nomes sempre adaptados e invariavelmente complicados). Muito bom, o meu com queijos variados e cremosos. A adaptação japonesa de pratos bem ocidentais é perfeita: sempre dão um toque local. O queijo não tem o gosto dos nossos e nem dos franceses, a pizza não é bem pizza, tudo tem sabores e cheiros diferentes e maravilhosos. Como na confeitaria/restaurante e padaria franco-japonesa da marca Joel Robuchon numa viela linda em Marounuchi, bem perto do Palácio Imperial. Tudo tem o toque japonês e no outono, o país é repleto de doces feitos com castanha portuguesa, símbolo desta estação do ano. O conhecido doce francês, Mont Blanc, por todo Japão, é uma nuvem suave e pouco açucarada da bomba calórica francesa. Fettuccine com cogumelos e molho cremoso, no excelente Osteria Il Viaggio, casa muito agradável em plena Estação de Tóquio, é um ramen nipo-italiano genial. No Marugo, ali perto, mais pratos fusion que desafiam qualquer lógica e cujos resultados são, no mínimo surpreendentes. E a cadeia de fast food japonesa com toques ocidentais, a ótima Doutor, sempre serve de apoio em emergências. A comida, que para mim foi um terrível desafio no ano passado, se tornou um prazer, uma aventura de descobrimento que sequer imaginava ser possível. E existir, Só no Japão. Meu país não inventado e muito querido. Zurich, 8 de outubro de 2024.