COMENDO BEM NO MÉXICO
Quem pensa que comida mexicana é só tortilla e taco, muito se engana e perde a enorme variedade de uma das cozinhas mais ricas e criativas do mundo.
Vamos começar pela cozinha inovadora e moderna de um restaurante maravilhosamente contemporâneo e ousado na Cidade do México, o Pámpano. Estranha filial de um restaurante mexicano em Nova York, o dono, só agora resolveu investir em sua terra natal e inaugurar um estabelecimento espetacular, tendo como sócio o famoso tenor mexicano, Plácido Domingo. Não posso imaginar lugar melhor para inciar-se nas salsas e moles mexicanos, molhos infernalmente bons e não necessariamente contendo toda a pimenta do mundo. Os níveis de “fogo” variam muito e os sutis sabores das centenas de chilis mexicanos é impressionante.
Para iniciar, três tipos de ceviches: peixe-espada, camarão e atum cru. Tudo pequeno, delicado, perfeito. Vinho branco chardonnay Casa Madero, mexicano; uma bela surpresa. O México produz brancos deliciosos a bom preço. E por que não? São vizinhos da Califórnia, produtora de vinhos ótimos; solo e sol são os mesmos. Não provei tintos, pois na primavera mexicana, o calor não permite, mas tomamos o Misión Cerocahui, também branco e também chardonnay. Um produto de impressionante qualidade, de uma micro vinícola embutida em um dos canions da belíssima Barranca del Cobre. Mas voltando ao restaurante Pámpano : seus tacos de lagosta são maravilhosos na mistura estranha e feliz do crustáceo com pasta de feijão preto e a opção de prato principal, peixe-espada grelhado mas não por isso menos suculento, ilhado em meio a um misterioso mole, não há igual. E no país que inventou o chocolate (palavra de origem asteca, por sinal), o conceito mexicano de petit gateaux é maravilhoso e no Pámpano vem em forma de pirâmide rodeada por molhos de frutas como carambola.
Em Oaxaca, capital gastronômica do país e maior, melhor e mais deliciosa produtora de chocolate, provamos e compramos diversas barras de um produto único, que só o México tem. Bruto, forte, aromático, um tanto amargo Por lá, preferem beber chocolate a mordê-lo, mas as barras são igualmente boas e podem ser suavizadas se derretidas em leite. Sempre em mesclas com canela, nozes, amêndoas e baunilha. Exclusivos e imperdíveis. Ganham seguidamente prêmios na Europa, inclusive no reinado máximo do chocolate, a Suíça. Ganham porque são bons e desafiam paladares convencionais. Não há nada, mas nada remotamente parecido no mundo. Você pode preferir o suíço, o belga ou até o brasileiro. Mas terá que reconhecer que o chocolate mexicano é bastante especial e nenhuma visita ao país é completa sem provar um pouco desta delícia asteca! Que deve ser consumida rápido, o que não é difícil, pois não contendo qualquer espécie de conservante, se deteriora e perde o gosto muito rápido, infelizmente.
Na Cidade do México há comida para todos os gostos e fomos até a um restaurante argentino interessante, o Evita. Bela e moderna decoração, bom serviço, localizado dentro do hotel Embassy Suítes. Mas a carne é norte americana e não sul americana, o que faz TODA a diferença. E é cara, porque carne boa do México é quase tão cara quanto nos EUA. Não sei por quê. O México é um país grande, espaço suficiente para gado,mas a carne dos bovinos custa muito e não é saborosa como a nossa ou a dos vizinhos argentinos.
Tivemos boa indicação do San Angel Inn, uma tradição da cidade, instalado em enorme hacienda do século XVI, mas não pudemos ir. Comida mexicana tradicional-chique. O Águila y Sol é outra pedida certa, mais na linha moderna e inovadora na interpretação da cozinha mexicana, tipo Pámpano e no mesmo bairro chique do mesmo, Polanco.
Mas é em Oaxaca que as delicias e misterioso da cozinha mexicana se desvendam, em ótimos e baratos restaurantes como o La Catrina de Alcalá e no La Casa de la Abuela. A modernidade e charme descolado ficam por conta do Los Danzantes (camarões nadando no molho de manga e mescal, fritos em flocos de coco) e do Temple (pratos de massa com frutos do mar e diversas pimentas locais). Como Oaxaca não fica muito longe do mar, seus frutos estão presentes por todos os estabelecimentos gastronômicos do lugar. Nos dois primeiros acima citados, pratos tradicionais e radicais, como gafanhotos e larvas; acreditem, deliciosamente fritos e fazendo parte de tortas, guisados e puros com um pouco de salsa. Altamente nutritivos e crocantes, valem a aventura de saboreá-los. Cordeiro e veado sempre vêm acompanhados dos riquíssimos moles, molhos mais grossos e consistentes do que as salsas, compostos de dezenas de ingredientes que vem de receitas familiares de centenas de anos. No La Casa de la Abuela as quesadillas fumegantes e seus queijos derretidos são muito especiais, junto com filet de frango fininho, pode ser carne de porco também, acompanhados do suave e sedoso guacamole, pilar irremovível e sagrado da cozinha mexicana.
No setor alcoólico, além dos vinhos surpreendentemente bons e baratos, claro, reina a tequila em primeiríssimo lugar e depois o mescal. São muito fortes e se prestam divinamente a coquetéis com frutas e diversas combinações com vodka, por exemplo. No Los Danzantes há uma espécie de Bellini, aquele divino drinque italiano, feito com pêssego e mescal. No Temple, outras combinações, desta vez envolvendo tequila e tamarindo, por exemplo. Tudo barato e criativo. No México, uma refeição “top” para duas pessoas, em restaurante nível Antiquarius do Rio ou São Paulo, não sai por mais do que 150 dólares, verdadeira pechincha se comparados aos 500 reais que pagamos por dita refeição no Antiquarius de São Paulo há apenas dois meses. Isso sem falar na maluquice que cobra o pretensioso e absurdo Fasano de São Paulo, 900 reais por um jantar. Não vale. Em Oaxaca, por exemplo, um jantar no pátio florido do chique hotel Camino Real, não sai por mais de 80 dólares. Com serviço atencioso, em convento do século 16, um lugar totalmente atmosférico; uma experiência de comer num monumento histórico dos mais importantes do país. Pontos para a salada César e as quesadillas e fajitas super saborosas.
Para quem precisa levar comida aos longos passeios da região de Oaxaca, ou cafés da manhã e refeições rápidas, deve dirigir-se ao Pan & Co e ao Café Brújula. Ambos de um americano apaixonado pelo México e oferecendo pães sensacionais, chocolates quentes e frios de matar de aromáticos e reconfortantes e as foccacias de azeitonas ou cebolas melhores do mundo. Sanduíches típicos da região, com finas lascas de carne, alface, tomate e abacate no pão francês também são opções reforçadas para extensas e fascinantes caminhadas. E ainda assim nos faltou prestigiar o restaurante El Naranjo, na linha México-comtemporaneo. Mais uma razão para voltar ao país e suas delícias gastronômicas.
Tomem cuidado os aventureiros gastronômicos quando pedirem huevos rancheros, um prato forte nos cafés da manhã típicos. São dois ovos fritos nadando numa sopa verde pavorosa e mega-apimentada. Se não faz seu gênero, fuja! E não se deixe enganar pela suposta tortilla que há debaixo dos ovos; ela vem submersa na medonha sopa. Ai, ai ai!
E se, por total azar o turista passar pela infeliz Puerto Vallarta, o Gazebo e o River Café lhe farão esquecer momentaneamente o quanto você é infeliz por estar numa das praias mais babacas do México, uma mescla horripilante de Guarujá, Praia Grande e Piscinão de Ramos. O Gazebo está localizado na Marina, região um pouco mais suportável da chata Vallarta e pertence a Luigi, um italiano legal. Brusquettas e paellas não fazem feio e a comida moderninha do River Café é também um alívio. Esqueça a decoração cafona, a música de elevador e os clientes obesos; Vallarta não fica nunca melhor do que isso. O restaurante “chique” (La Hacienda) do horripilante hotel Fies ta Americana tem comida surpreendentemente boa e os tartars de atum, saladas criativas e boas sobremesas também valem à pena e aliviam o suplício.
Em Mazatlán, outra praia fraca na costa do Pacífico, o destaque é o hotel Pueblo Bonito e seu restaurante Cilantro, literalmente na areia. Envidraçado, ar condicionado, serviço perfeito. Ceviche de camarão e as tradicionais combinações “à americana”, entre filet mignon e camarão ou lagosta, que tão estranhas nos parecem, mas que, em boas casas como o Cilantro, são muito saborosas, estão entre as estrelas do cardápio imaginativo e variado. Frutos do mar são oferecidos a preços acessíveis no país e como já mencionei, caro mesmo é carne bovina. Que se revelou muito boa nos hambúrgueres da cadeia americana Burger King e nestes mesmos sanduíches no restaurante do hotel Palácio del Sol, na capital da carne mexicana, Chihuahua. Nesta interessante cidade do norte do país, as carnes são tão boas e fartas que são vendidas cruas para viagem, embaladas à vácuo, no aeroporto! E também no 624, restaurante magnífico na Baja Califórnia, em San José del Cabo. O filet mignon gigante, acompanhado de batatas crocantes e espesso molho grosso e escuro, deliciosamente apimentado, foi campeão.
Nesta mesma casa, destaque para lagostas e saladas preparadas com a carne deste crustáceo, frutas, penne e coco. A casa é nova, o serviço não poderia ser mais simpático e eficiente, em ambiente mexicano-moderno e boa musica. A comida, na região de Los Cabos, é excelente. Mas bem mais cara do que em qualquer outra parte do México, visto que a Baja Califórnia e mais precisamente a região que engloba as cidades de Cabo San Lucas e San José los Cabos é atualmente a mais “hype” do país. Não só os costumeiros velhos, gordos e feios americanos endinheirados lotam os estupendos hotéis e condomínios, mas ali também os jovens e bonitos gringos, mexicanos “cool” e estrangeiros idem; os mesmos talvez, que costumavam freqüentar Cancun e Acapulco e se transferiram em massa para lá. Consequentemente, os preços “nas nuvens” também para lá se mudaram; jantar para dois variando entre 150 e 250 dólares é comum. Mas vale a pena e vamos ver por que:
Bares e restaurantes nas duas cidades existem quase em numero tão grande quanto os cactos nativos da região e há de tudo para todos os gostos; não para todos os bolsos. Quem quiser comida barata terá que comer nas cadeias de fast-food americanas ou nos carrinhos que vendem tacos nas ruas.
Em San José jantamos divinamente no Voilá que também oferece serviço de buffet para milionários variados da área e suas casas espetaculares. Burritos de nobres frutos do mar, mero chileno, seríssimas saladas César e salsas enlouquecedoras podem ser degustadas ao ar livre, à luz de velas e a céu aberto, pois quase não chove em Baja. No Voilá isto acontece em meio a uma linda e espaçosa loja de decoração; no meio dos vasos e objetos, um ótimo restaurante. Singular...
Cafés da manhã perfeitos podem ser encontrados no Café San José e seu terraço agradável no primeiro andar e em cenário menos idílico, mas com comida sensacional, na French Bakery, de propriedade de chef francês, Jacques Chretien, que também é proprietário de restaurante fino para jantares românticos a beira da praia, na vizinha San Lucas. A padaria francesa nada deixa a dever a qualquer estabelecimento similar na França e os croissants estão com certeza entre os melhores do mundo. Omeletes de queijo e camarão são fascinantes e as muitas opções de crepes doces e salgados deixam qualquer um maluco de dúvida: o que escolher? Como o paraíso não é barato, esplendidos cafés da manhã nãos custam menos do que 25 dólares por pessoa.
Na agitadíssima Cabo San Lucas, na chique Marina, despencando sobre a água azul do mar, o deck do Oyster Bar do Lorenzillo’s. Dito restaurante é filial do mega turístico templo da lagosta de Cancun. Aqui mais chique e exclusivo, sempre oferecendo lagostas suculentas e molhos/acompanhamentos variados. O serviço é um tanto fraco para lugar caro e com pinta de luxuoso, mas comida e localização compensam a falha. Para quem aprecia frutos do mar, o Lorenzillo’s é ideal.
Na pacata Todos Santos, “pueblito” na costa do Pacífico, a 100 kms de San José, uma das jóias da coroa da cozinha da Baja Califórnia, o italianíssimo Café San José. De proprietários genuinamente italianos, o cardápio não faz concessão alguma à comida mexicana e os clássicos do mediterrâneo estão todos lá, com menção honrosa para mariscos e lulas. Ambiente adorável, com jardim muito verde para região tão desértica, vale a distancia percorrida para quem quer experimentar algo diferente em ambiente totalmente zen. Prepare-se para pagar 80 dólares por almoço de um prato por pessoa e uma diminuta taça de vinho.
Mas a “facada” total está mesmo nos restaurantes do hotel 10 estrelas, One and Only Palmilla. Seus três restaurantes são abertos ao publico mediante reserva e são, claro, de alto nível em hotel cujas diárias começam nos 800 dólares. Jantares e almoços não ficam atrás. A estrela é o C, casa assinada pelo ultra-chef de Chicago, Charlie Trotter. Não é nem de longe tão bom quanto a matriz, mas apresenta carta de vinho fabulosa, serviço muito bom, alguns pratos da cozinha japonesa autenticamente preparados, sobremesas intrigantes e ambiente interno e externo bastante bonitos. Isso sem falar do moderníssimo bar e seus bons shows de jazz. Jantar para dois com vinho modesto está na casa dos 400 dólares. Almoços “al fresco” no Breezes, o “baratinho” do hotel vão por 70 dólares o casal para uma salada, um hambúrguer, água pequena (fiji, é claro...) e uma Coca light. Naturalmente, se paga o lugar, a vista, o mar, o status. E os outros comensais chiques, bonitos, interessantes.
Para pombinhos enamorados, o segundo melhor, o Água (auto denominado de “cozinha mexiterranea”), organiza jantares na praia começando em 360 dólares. Bebidas, taxas e gorjetas não incluídas. Nossa passagem pelo estabelecimento nos tornou 660 dolares mais pobres devido à ambientação “especial”: velas, lua cheia, musica ao vivo, 4 pratos, champagne, etc.
É para quem pode...
E para grandes comemorações!
Cabo San Lucas, 03 de maio de 2008
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sábado, 7 de fevereiro de 2009
domingo, 1 de fevereiro de 2009
ARGENTINA 2009
DO SUL AO NORTE EM 23 DIAS
No dia 19 de dezembro de 2008 partimos em direção a Buenos Aires, para mais uma estada rápida na capital argentina. Não é o caso de não gostarmos da cidade, pelo contrário, ela é encantadora; mas o país é tão grande – entre os 10 maiores territórios no mundo – que considero total falta de imaginação da maioria dos brasileiros, concentrar-se apenas em Buenos Aires e Bariloche. O país tem muito a oferecer e os preços ainda são razoáveis. Não é pechincha, pois a inflação da Sra. Kirchner beira os 30% ao ano. Oficialmente, 9%. Mentira, pois estivemos na Argentina 3 vezes em menos de dois anos (ver meus artigos PASCOA NA ARGENTINA E NATAL ARGENTINO). Os preços subiram e os argentinos se queixam amargamente da situação política e econômica de seu lindo país.
Novamente, nos hospedamos no Loi Suites, escolha acertada para quem quer localização central e fácil acesso ao Aeroparque, o Congonhas local. Em julho de 2004 pagamos US$ 100 por apartamento que hoje custa US$ 220. É inflação da pesada! Mas ainda assim, vale a pena pelo acesso a pé a nosso restaurante favorito na cidade, o maravilhoso La Cabaña. Minha terceira vez na casa, a primeira para jantar. Cheio, alegre, serviço ótimo e comida fantástica. Carnes indescritíveis e as melhores empanadas do planeta. Vale os US$ 100 por pessoa. Em nossa curta estadia portenha, revisitamos as Galerias Pacífico e compramos livros em uma das simpáticas livrarias do primeiro andar. Também tomamos sorvete de doce de leite no turístico Café Biela, na Recoleta. Tudo muito civilizado e agradável, como também é o Aeroparque, um aeroporto doméstico ainda simpático. Com direito a restaurante de comida japonesa muito bom. E foi via este aeroporto que tomamos o vôo para El Calafate e o deslumbramento da enorme geleira Perito Moreno.
Atualmente, no país, só há duas opções para vôos internos: LAN e Aerolíneas Argentinas. Prefira SEMPRE a primeira, mas encare a segunda se não houver jeito, que foi nosso caso. Tentamos reservar vôos em meados de outubro e a LAN já estava lotada; principalmente para o sul do país, de El Calafate para baixo. Por ser região fria e inóspita, a estação turística vai apenas de outubro a abril (melhor mesmo é ir de dezembro a março) e coincide com a estação de escaladas dos altos picos andinos na região centro-oeste, de Mendoza, fazendo com que vôos e preços se tornem difíceis e altos. Tivemos sorte com a Aerolíneas, que não apresentou atrasos sérios ou cancelamentos. Mas foi apenas isso: sorte. Cortes de vôos são rotineiros, a empresa está sendo estatizada por um estado falido e nosso vôo sem escalas Mendoza/Buenos Aires foi COM escala em San Juan. A maioria dos passageiros reclamou, pois tinham vôos de conexão, muitos deles perdidos. Conselhinho: se a Aerolíneas for inevitável, JAMAIS marque conexões com menos de 4 horas entre a chegada de um vôo e partida de outro. Principalmente se o “outro” vôo for em Ezeiza, o medonho aeroporto internacional de Buenos Aires.
El Calafate é uma pequena cidade às margens do azulíssimo Lago Argentino, um lugar belíssimo, de ventos fortes e paisagem árida. A cidade é simpática, possui bons serviços turísticos e hotéis variados. Escolhemos o moderno Design Suites pela localização romântica às margens do lago, mas não repetiríamos a estadia. É afastado da cidade, em região periférica-feia (perto de um lixão), caro para padrões locais (US$ 220) e por uns 50 dólares a mais seria melhor investir no adorável hotel Los Alamos, central e aconchegante. O serviço do Design beira o pavoroso, a limpeza dos quartos é duvidosa e a comida francamente indecente. Fuja e não se deixe enganar por fotos do prédio descolado, dos grandes vidros, do suposto clima “zen”. A realidade é composta de apartamentos acanhados, com armários minúsculos, cuja única vantagem é a bela vista. Reserve o queixo caído no quesito “vista”, para a geleira Perito Moreno. Se orçamento estiver apertado, o hotel Quijote não faz feio. Quartos simples, preços honestos e café da manhã razoável, além de lugar bem central.
E por falar em centro, a pequena via principal de El Calafate, onde tudo acontece, hospeda estabelecimentos dos mais interessantes. Além de uma casa de cambio, a Thaler, das mais concorridas, o verdadeiro “point” dos gringos locais, oferece ainda a aconchegante pizzaria La Lechuza; boa, barata e animada. O bar Libertador é uma versão local do portenho Café Tortoni e o restaurante Casimiro Biguá é excelente e lotado à noite. Com o mesmo nome há uma churrascaria e uma casa de massas. Fomos ao tradicional e mais transado, o Casimiro Biguá ao lado da casa de cambio Thaler. Não perca!
Alugamos carro para seguir viagem a Ushuaia e a filial da Localiza oferece um bom serviço. Preços nunca são bons na Argentina para locadoras oficiais, tipos as grandes americanas e a nossa Localiza. Mas eu nunca arriscaria as locadoras argentinas “genéricas”. Se nas grandes os carros são alugados em estado de manutenção/quilometragem duvidosos, o que dizer das mais baratas?
Alugar carro em El Calafate vale a pena se o viajante quiser ir além de Perito Moreno. Se ficar restrito a passeios locais e à geleira, é melhor contratar excursões nas várias agencias que vendem as mesmas. Se a intenção, na região, incluir El Chaltén, o carro é essencial. E eu não voaria mais de 3 horas Buenos Aires – El Calafate, enfrentando a turbulência amedrontadora dos ventos patagônicos e o serviço triste da Aerolíneas só para ir a Calafate. Bom, a geleira é mesmo fantástica e vale a visita, mas El Chaltén e o Parque Nacional Los Glaciares são igualmente imperdíveis para amantes da dobradinha natureza/caminhadas.
Bem, vamos por partes. Primeiro, Perito Moreno. Já vi geleiras em minha longa carreira de turista profissional (inclusive as do topo do Kilimanjaro, algumas chilenas, divertidas e civilizadas na Suíça e várias na Antártida), mas a acima citada ganha O Oscar do Gelo! Gigantesca e azul, é um show de som e luz. Em constante crescimento, movimenta-se como um paquiderme congelado e no processo de tal movimentação produz sons estranhíssimos, lúgubres e derrubadas de blocos de gelo constantes. Não é preciso cam inhar sobre ela, como oferecem agencias locais, ou mesmo tomar o barco para ver a maravilha por outro ângulo. É só pagar a entrada do parque, ir aos mirantes diversos e bem construídos espalhados por ali e divertir-se por horas com um dos espetáculos mais sensacionais que a natureza pode oferecer. Evite a mega-roubada de hospedar-se no caríssimo hotel Los Notros, cuja propaganda enganosa oferece a promessa de hospedagem “em frente à geleira”. Em frente, do outro lado da estrada e bem longe da dita cuja. Nada que se compare ao Hotel Explora, no sul do Chile, e à sua localização sem estrada pelo meio, realmente em frente à vista mais bonita do mundo. O Los Notros é uma pousada de luxo à beira da estrada, muito pequena, sem área própria ou privacidade. Mas o mesmo não se pode dizer do hotel de mesmo dono, o magnífico Los Cerros, na minúscula e adorável El Chaltén.
A vilazinha localizada a 220 kilometros de El Calafate e encravada entre enormes montanhas na fronteira com o Chile, é o centro urbano mais jovem da Argentina (1985), criado especialmente para popular o local em uma das muitas disputas fronteiriças entre nossos dois queridos vizinhos . Simples, acolhedora e muito simpática, El Chaltén está praticamente dentro do Parque Los Glaciares e o entorno é precioso, paisagem de contos de fadas; um ninho de sonho em meio a montanhas, neves, geleiras variadas, riachos e muito verde. Além da vistas maravilhosas para os picos severos e intrigantes da cadeia Fitz Roy (o próprio é um “Pão de Açúcar” patagônico de 3375 metros de altura). É também, auto-proclamada, a “Capital Nacional do Trekking”; não sem justiça, pois caminhar e escalar são mesmo as atividades principais ligadas ao turismo na região. Há cerca de dez trilhas básicas com níveis de dificuldade e duração distintos, algumas delas auto-guiadas e outras com necessidade de mapas ou guias. O Centro de Informações localizado na entrada da vila fornece boa orientação. Para os pescadores a área é também adequada no verão e simples passeios de barco oferecem paisagens inesquecíveis.
A viagem de carro de El Calafate a El Chaltén, por boa estrada recentemente asfaltada, é deslumbrante e vale parar muitas vezes para fotos. É um cenário único, solitário, magnífico, enorme. É uma das áreas mais bonitas e menos conhecidas da Patagônia Argentina e é possível hospedar-se em algumas pousadas ou hotéis-fazenda simples pelo caminho, se o fascínio com a paisagem for forte demais. Vale a pena, há estâncias oferecendo quartos e refeições por toda parte e até algumas mais sofisticadas, dispondo de atividades aquáticas e visitas com caminhadas às várias geleiras do parque nacional. A hospedagem em El Chaltén é variada: chalés simples, outros médios, pousadas semi-básicas e albergues de mochileiros. No quesito alimentação a coisa se sofistica mais e há lugares encantadores como o barzinho/lanchonete/restaurante La Senyera, de propriedade de donos espanhóis, catalão que denomina seu pequeno estabelecimento de Pulpería El Chaltén e oferece bizarrices como polvo em região bem longe do mar e pan com tomate, uma iguaria típica de Barcelona. Muito charmoso, todo em madeira rústica, boas empanadas, boa música e preços módicos.
Mas é no hotel Los Cerros que El Chaltén vislumbra o futuro e o potencial turístico da vila. Único alojamento de luxo na cidade, é uma proposta “zen”. Quartos muito confortáveis, grandes e bem decorados. Pequeno e eficiente SPA, vistas fabulosas às montanhas. Mas não há TV nos apartamentos e celular não pega por lá. Por enquanto...
Há Wi Fi no bar e dois computadores que podem ser usados pelos hóspedes. Só. O resto é paz, conforto, aconchego, exercío físico nas trilhas embasbacantes das montanhas e romance. E para completar o “repouso do guerreiro”, as iguarias fabulosas do restaurante estrelado do Los Cerros, na certa o melhor da província de Santa Cruz (na região andina). Nosso cardápio natalino, por exemplo, consistiu de 5 pratos muito bem preparados e apresentados, em amostras ousadas de camarões com berinjela defumada, truta grelhada com creme negro e nhoques na tinta de lula, peru laqueado com batatas, erva doce e alcaparras, ou ainda mesmo cervo envolto em massa folhada com purê cremoso de ervilhas, carpaccio de ameixas frescas e suco de frutas do bosque. Sobremesas leves e “buffet doce” ao final, para acompanhar as maravilhas, cada delas escoltadas por vinhos argentinos muito especiais e bem apropriados aos pratos. Desnecessário dizer que foi um dos natais mais felizes de nossas vidas. Em lugar paradisíaco e muito bem alimentados!
O Los Cerros não é nenhuma pechincha, claro, mas no Natal 2008, duas noites com café da manhã, um jantar e um almoço e a ceia fabulosa acima descrita, mais massagens, nos custou US$ 600,00 o casal. Vale o investimento. E como termo de comparação: o Los Notros, dos mesmos proprietários, apenas por estar supostamente localizado “perto” e com vista à geleira Perito Moreno, custa cerca de US$ 1000 a diária com pensão completa. Vale?
Mas como mordomia e sossego não são eternos, pena, lá fomos nós negociar os mais de 1000 quilômetros ou algo parecido que nos levaram de El Chaltén a Ushuaia. Em dois dias de belas paisagens, a Patagônia mística e desoladora em toda sua enorme amplidão. Cruzamos duas vezes a fronteira com o Chile e até balsa chilena tomamos. É tudo bem organizado, fácil, divertido. Boas e bem sinalizadas estradas, nem o trecho de terra de 120 kms foi difícil. A parada para o pernoite necessário foi em Rio Grande, uma cidade feia e sem graça à beira mar, ao sul da pior ainda Rio Gallegos. Mas não há jeito, os trajetos são longos mesmo na enorme Argentina e se o turista se encontrar por acaso em Rio Grande, a pousada Los Sauces quebra o galho e até tem restaurante decente onde se pode provar a estrela gastronômica do extremo sul chileno e argentino, a centolla; aquele caranguejão-monstro de águas profundas e geladas. Maravilhoso!
Última parada sulina: Ushuaia.
O trecho rodoviário de Rio Grande a Ushuaia é lindíssimo e dá vontade de percorrer de novo só para apreciar melhor as florestas austrais , repletas de notofagus, umas árvores lindas que não crescem no nosso quente e tropical Brasil. Mesmo no verão, há neve nos picos de montanhas que cercam Ushuaia e pode nevar a qualquer hora. O que é muito divertido: um dia acordamos com neve nos cumes e gelo por toda parte. Chuva transforma-se rapidamente em neve, bem no meio do dia. Em finais de dezembro!
A chegada a Ushuaia é emocionante, de montanhas e florestas se vai ao mar, ao famoso Canal Beagle, tão disputado entre Chile e Argentina. Suas águas cinza-chumbo, brilham prateadas quando o sol permite uma tímida passagem entre as nuvens sempre muito baixas à beira mar. A cidade é feia , mas charmosa e um tanto misteriosa, com aquele ar duvidoso e boêmio de lugares portuários; um misto de turistas, comércio, navios de todo tipo, veleiros, gente do mundo inteiro. Tudo isso encravado sobre a estreita e íngreme faixa de terra entre o Canal de Beagle e os Andes Costeiros. Com direito a floresta subindo as escarpas dos montes negros e nevados quase sempre.
O bizarro lugar é a cidade mais austral do mundo e merecida mente se auto-intula O Fim do Mundo; e lucra com isso na venda de todo o tipo de produtos “fim do mundo”. A loja do Parque Nacional Tierra Del Fuego vende ótimos souvenires do tipo. Baratos e de bom gosto. Aliás, Ushuaia oferece boas compras por ser área portuária de grande movimento internacional e zona franca livre de impostos; raridade na Argentina que fora vinhos, couros caros e doce de leite, está mais para cemitério do consumo do que paraíso.
O Parque Nacional deve ser visitado e aproveitado ao máximo pelas lindas paisagens, limpeza, boa sinalização e organização e por um singelo passeio no antigo trem que levava os prisioneiros condenados a passarem o resto dos seus dias no “fim do mundo”. Há restaurante decente e boa loja na área do parque e se o tempo permitir um piquenique, por que não? Há infra para isso e os locais adoram. Com direito a lindos coelhinhos pululando por todos os lados.
Ushuaia oferece bons hotéis em todas as categorias possíveis. Na alta estação, verão, caros. Três estrelas com apartamento acanhado sai por US$ 180 fácil e os cinco estrelas estão na faixa de 500 a 600. A maioria dos hotéis e restaurantes possui vistas fantásticas e almoços e cafés da manhã são sempre uma divertida festa para os olhos. Só a beleza da natureza já é um show. Adicionando-se o movimento do porto e o do aeroporto, onde se pode acompanhar pousos e decolagens o dia todo. Navios-chiques de cruzeiros antárticos ou não estão sempre por lá. Acompanhamos por horas a movimentação de um dos mais luxuosos do mundo, o alemão Europa, da varanda (fechada com vidro) do melhor restaurante da cidade, o Kaupé.É considerado um dos melhores da Argentina e vale mesmo a distinção. Entramos em delírio gourmet com um dos mais bem preparados pratos de centolla do universo, uma receita simples, realçando perfeitamente o sabor único deste caro e difícil crustáceo. Meu marido, optou por versão mais elaborada, envolta em crepes ao molho de açafrão e não se arrependeu. Ele foi de merluza negra e eu mergulhei no melhor bife argentino da viagem e, quiçá, que já pedi neste país,acompanhado do melhor molho cremoso com pimenta do reino em grão que já provei; antecederam panqueca de doce de leite ao conhaque, uma apoteose argentina, versão inspirada dos Crepes Suzettes franceses. Tudo em ambiente simples e agradável, onde a cozinha e não a decoração é a estrela absoluta. O serviço é cortes e eficiente, preços altos mas justos. Mas veja bem: o preço alto-Buenos Aires é US$ 100 por pessoa. Ushuaia, mesmo em altíssima temporada cobra 70.
Também prestigiamos o conhecido restaurante Chez Manu, o “darling” do guia Lonely Planet e outras referencias viageiras. Sua localização é preciosa, bem no alto das tais severas montanhas que abraçam a cidade, em meio às tais florestas fueguinas, coisa mesmo de cartão postal. Mas comida e ambiente decepcionam em relação à fama. O lugar é grande demais, frio, e a comida bastante comum para tanto elogio. Há mais casas boas em Ushuaia, mas como só ficamos por lá dois dias, fica para a próxima. Ushuaia vale mais tempo e os passeios de barco são lindo e inúmeros. Tomamos um catamarã no porto que nos levou a colônias de focas e pássaros e nos brindou com a vista mais espetacular do lugar: do mar, olhando para as montanhas àquela altura coroadas de neve, seguidas por verde da vegetação e as casinhas simples e coloridas espremidas na encosta. Pena que a Terra do Fogo seja tão longe, pois é tão interessante e oferece as possibilidades de esqui mais longas da América do Sul, de maio a novembro. Fora os passeios em trenós puxados por cães especialmente treinados para isso.
Pretendemos voltar um dia a quase todos estes lugares. A Patagônia argentina, de Neuquén até Ushuaia é deslumbrante. E isso porque ainda nem conhecemos as regiões de Esquel e El Bolsón. Não faltará oportunidade!
O mesmo entusiasmo não se aplica ao norte da Argentina, onde nunca tinha estado e para onde voamos, com escala em Buenos Aires. Mais precisamente a Salta, que é uma cidade grande e interessante onde nos hospedamos no ótimo hotel Sheraton. Com certeza, o melhor custo-benefício da viagem. Quarto grande e confortável, bom café da manhã, restaurante excelente, serviço alegre e gentil, dupla difícil de encontrar na Argentina, onde quase todos no setor parecem ser infelizes e agem como se seus empregos fossem uma indignidade.
Salta é bem movimentada e sua parte colonial atraente, principalmente a Plaza central e seus bons cafés, empanadas saltenhas famosas (as do Doña Salta são boas, mas apenas regulares se comparadas às dos cafés da praça, principalmente o localizado bem em frente ao tradicional hotel Salta; belas igrejas e museus. Não tivemos tempo de conferir se opções noturnas como a Rua Balcarce e seus famosos bares, ou as “Peñas de Salta”, espetáculos folclóricos, são mesmo dignos de nota. Entretanto, na certa, a cidade merece duas ou três noites e em longa viagem é boa parada para comprar suprimentos (a Farmacity é uma cadeia espetacular de farmácia/supermercado, sem igual no Brasil) ou alugar carros. Além de servir de base para passeios mais curtos na região. Mas não se vai a Salta como destino final e sim como porta de entrada/saída para o “Atacama” argentino. E para o “Trem das Nuvens”, infelizmente fora de operação no verão, devido às chuvas. Era trem de carga e passageiros, agora é atração turística, mas só funciona de abril a outubro. De toda maneira é bom que o viajante verifique época e horários de funcionamento antes de contar como certo o passeio. É com certeza nosso próximo objetivo quando voltarmos felizes ao norte Argentino. Que merece ser visitado mais de uma vez e com planejamento mais detalhado.
O Deserto do Atacama, no Chile, ou seja, do outro lado dos Andes, é magnífico e muitos brasileiros sabem disso. Mas existe o lado argentino, igualmente bonito e surpreendentemente diferente. Como pode ser diferente se também é deserto? É bastante distinto do lado chileno pela proximidade com os Andes e seus nevados e altíssimos picos. A água do degelo corre quase toda para o lado argentino, transformando os vales localizados entre os cânions, lá chamados de “quebradas”, em regiões férteis, verdes e apropriadas ao cultivo de frutas, por exemplo. O contraste entre as quebradas multicoloridas e o verde é estonteante e as boas estradas facilitam esta observação, entre Salta e a fronteira com a Bolívia, aonde infelizmente não chegamos. Mas chegamos à adorável vilazinha de Purmamarca e seu delicioso hotel Los Colores. Bom e barato, apenas alguns chalés em bonito estilo indígena-local, adobe imitando antigas vivendas nativas. Um charme em meio aos cânions coloridos, em especial o Siete Colores e seus tons divinos que vão do roxo ao amarelo, passando por vermelhos e até gamas de verde. Pode-se caminhar à vontade por esta maravilha natural e as oportunidades para fotos ao amanhecer ou por do sol são verdadeiramente preciosas. A minúscula e charmosa vila conta com, incrivelmente, um hotel cinco estrelas e seu igualmente estrelado restaurante, El Manantial Del Silencio. O hotel foi construído para imitar um monastério e o efeito é singular. Possui loja com artigos caros, mas de primeira da região e os tapetes e tapeçarias não podem ser mais bonitos. O bar é animado e o cardápio da casa inovador e leve, sem deixar de lado os cozidos fortes do norte argentino. Carta de vinhos reduzida e correta. No entanto, eu não me hospedaria lá devido ao grande numero de turistas velhos, feios e famílias com crianças que tiram um pouco o charme do lugar. Voltaria ao Los Colores, mais típico, mais espaçoso em termos de acomodações, no coração das quebradas, mais barato e adequado a casais.
Por toda a região genericamente conhecida como Quebrada de Humahuaca, há cidades e vilas oferecendo atrações diversas. É necessário carro e tempo para ver tudo e incluindo Salta, uma semana é o mínimo-ideal por lá. Jujuy é fora Salta a outra grande cidade do norte e também oferece possibilidades que não conferimos. Isso sem mencionar a fronteira com a Bolívia e o outro país que também apresentam atrativos turísticos. Mais uma semana. É a imensidão da América do Sul, tão linda e desconhecida por nós brasileiros...
Ao sul de Salta, via Cachi, encontram-se os vales do rio Calchaquí e suas vinícolas cuja estrela principal é a uva torrontés, cepa espanhola que dá origem ao extraordinário vinho branco de mesmo nome. Plantada por toda a gigantesca área viticultora da Argentina, é no tal Vale, alto e frio que os vinhos saem mais espetaculares ainda. A viagem de Salta a Cachi envolve um longo percurso por sinuosa e estreita estrada de terra morro acima, atingindo lugares a quase 2500 metros acima do mar e, conseqüentemente, vistas lindas de montanhas e vulcões nevados o ano todo, passando pelo curioso Parque Nacional Los Cardones, salpicado pelos cactos gigantes de mesmo nome. Paisagens lunares, florestas espessa, chorões debruçados sobre rios e riachos, há de tudo e fazem o turista esquecer as agruras da estrada precária. Além da paisagem incrível, Cachi é um vilarejo adorável de cerca de 2500 criaturas e arquitetura colonial bem preservada em suas brancas casas de adobe caiado e ruas de paralelepípedo. Oferece alguns bares, restaurantes e pousadas e uma praça principal das mais atraentes; como também é atraente o hotel La Merced Del Alto, fora da cidade, plantado em morro de paisagem bonita e florida.
Administrado pelo mesmo grupo do El Manantial Del Silencio, em Purmamarca, e construído no mesmo estilo monastério-chique, foi nossa opção para a virada de 2008 a 2009. Boa ceia, bons preços, quarto espaçoso e confortável, boa música ao vivo e belos vinhos e espumantes. No dia seguinte, seguimos caminho por uma estrada de terra ainda mais longa e tortuosa, com destino a Cafayate, a capital do vinho do norte da Argentina. Apesar de difícil, o caminho passa por formações geológicas estilo lunar, cânions, montanhas e vales ímpares, completamente diferentes dos visitados anteriormente. Imperdíveis e muito melhor aproveitados se tivéssemos nos hospedado na Finca Colomé, genial estância e bodega do grupo suíço, Hess. O lugar é paradisíaco, idem para os vinhos da casa e teria oferecido alívio da estrada. Fica para a próxima, com certeza!
Cafayate é a “metrópole” do vale Calchaquí, com quase 12000 habitantes. É uma cidade simpática, hospitaleira e oferece de tudo um pouco, além de estar localizada entre as grandes vinícolas do pedaço, como a Etchart e outras hoje pertencentes a grandes grupos internacionais. A maioria dispõe de visitas guiadas e degustações. Nada que se compare às de Mendoza, mas valem pelos vinhos torrontés e técnicas de cultivo um tanto diferentes das operações mais ao sul do país, devido à localização das parreiras a 1700 metros de altitude e seu especial micro-clima resultante. Hospedamos-nos numa delas, a El Esteco, um lugar lindo operado pela cadeia chique Starwood, aquela mesma do Sheraton. Chama-se Pátios de Cafayate, aproveitando uma casa antiga de fazenda, um cenário divino, instalações de primeira e até SPA com produtos de uvas, cremes faciais e corporais confeccionados com uvas tipo malbec, banhos torrontés, massagens com polpa da fruta e outros que tais. Tudo bem instalado, bonito, confortável e caro. Pena que a comida do hotel e o serviço não acompanhem o resto. Entretanto, apesar de existirem outras opções top na região, o Pátios de Cafayate e seus US$ 450 por suíte ampla e banheiro com jacuzzi dupla e café da manhã regular ainda é recomendável. A visita grátis para os hóspedes da vizinha Bodega El Esteco é interessante, apesar de que, como na imensa maioria das vinícolas argentinas, mesmo pagando, o visitante só prova vinhos das linhas mais baratas das casas. Ao contrário do Chile, onde impera a simpatia, a generosidade, o bom serviço e a estratégia de marketing inteligente de servir vinhos de primeira aos turistas, na Argentina impera a “mentalidade Gérson”, estúpida e antiquada. Pena, pois os produtos deste país que é o quinto maior produtor de vinhos do globo são tão bons quanto os do Chile, mas bem mal divulgados. Reflexo da atitude geral de um povo que está custando muito a baixar do salto...
Apesar de recomendados pelo nosso elegante hotel, com bilhetinho da gerente ao proprietário, não degustamos nada, nem pagando, na vinícola-boutique Yacochuya, localizada em lugar estonteante fora da cidade. Sei de fonte super confiável que os vinhos são ótimos e aqui em São Paulo vendidos pela distribuidora Grand Cru, nos Jardins. Mesmo assim, recebidos de má vontade pelo esnobe dono, o senhor Alberto Etchart, nada conseguimos. Parece que em certos dias da semana, aos sábados, se não me engano, há almoço pago com os tais vinhos especiais, mas não pudemos ter a honra...
Ainda sobre o tema, nas “bodegas” brasileiras, na região gaúcha de Bento Gonçalves, as degustações e visitas são totalmente grátis, a simpatia impera e apesar da qualidade dos vinhos estar ainda longe dos argentinos, as visitas são mais prazerosas e divertidas.
Em Cafayate, além de passagem rápida por padaria descolada em frente ao posto de gasolina principal, almoçamos muito bem no simples Terruño, na praça central. Apesar de empanadas um tanto secas, as massas e seus inventivos molhos estão entre as melhores do universo, sem exagero, e as sobremesas são bem interessantes. Bom e barato.
A Quebrada de Cafayate, nos arredores da cidade é monumental e de fácil visitação. Bela estrada asfaltada e sinalização perfeita, muito que ver e fotos impressionantes.
E, deste ponto, deveríamos ter voltado a Salta, tomado um avião até Mendoza, nosso objetivo final e evitados os vários dias de percursos estúpidos por regiões menos interessantes da Argentina, localidades “zero-interesse” tipo Tafí Del Valle, La Rioja; lugares sem nada de interessante para ver ou conhecer e trajetos rodoviários longos e cansativos. No verão, lugares fumegantes, paisagens desérticas como San Juan e nada de mais interessante a não ser o santuário da Difunta Correa, santa que não é reconhecida pela Igreja Católica, mas desperta paixões nos argentinos mais simples e crédulos. O lugar é pavorosamente feio, mas fascina pela história da Difunta, pela fé fortíssima das pessoas, pelas oferendas, pelo caótico, pelo genuíno e não-turístico propósito das instalações.
Entre Mendoza e Salta pode-se visitar Tucumã e Córdoba, cidades grandes que devem ser interessantes, mas para isso é necessário muito tempo e disposição.
E à famosa Mendoza, templo do vinho, agora na moda, o que a revista americana Newsweek recentemente chamou de “Napa Sul Americano”, referindo-se ao vale Napa, na Califórnia, região dos melhores vinhos norte americanos. E há muitos americanos por lá, seguindo as dicas da revista.
Mendoza é uma cidade bastante arborizada e gostosa de percorrer a pé,de 120.000 habitantes, numa planície seca ao pé dos Andes na região centro oeste da Argentina. Com as águas do degelo de gigantes como o monte Aconcágua, o deserto fica fértil e a ausência de chuvas fortes faz com que o lugar seja perfeito ao cultivo de uvas. E que uvas! A estrela, a malbec, faz as honras da casa e os vinhos são mesmo estupendos. Mas, apesar de estar na moda em publicações diversas através do mundo e várias no Brasil, Mendoza só interessa aos amantes do vinho e da gastronomia. E atenção aos brasileiros seduzidos pelas reportagens coloridas de nossas revistas de turismo pouco críticas: não há NADA a comprar que não seja vinho ou azeite de oliva, os shoppings são fracos, os filmes dos cinemas dublados em espanhol e opções limitadas de esportes radicais e esqui no inverno, longe, bem longe da cidade (cerca de 200 quilômetros). Não existem museu, shows, teatros e igrejas interessantes e vida noturna se resume, de novo, a vinhos e comida. Portanto, pense bem antes de enfrentar São Paulo-Buenos Aires, trocar de aeroporto e voar BA-Mendoza para se decepcionar.
Contudo, se beber e comer bem é seu objetivo único e principal, Mendoza pode ser interessante; mas não barato e vejamos por que. Em Buenos Aires come-se e bebe-se muito bem além dos atrativos óbvios de uma das maiores cidades do mundo, mas hospeda-se e faz-se o resto com relativo conforto e economia. Em Mendoza não. Quem quer experiência realmente divertida na área, tem que gastar. Hospedagem legal mesmo é só nos hotéis que começam em US$ 400 por dia e organizam visitas às vinícolas Premium que vão servir ao freguês, pagando claro, os vinhos realmente legais dos estabelecimentos. Alguns deles oferecem atraentes almoços junto a visitas e degustações: por cerca de US$80 por pessoa. Fim da primavera e durante o verão apresentam natureza verde e pujante e a divertida, mais cara, época da colheita. Inverno seca tudo, mas tem neve para quem gosta de esquiar (esporte não-barato). Talvez a época mais em conta seja o outono e sua lindas folhagem amarela e vermelha.
Como não sabíamos de tais truques, nos hospedamos no auge do verão no correto e simples Hotel Argentino, na praça principal, bem ao lado do famoso Park Hyatt. Por duas noites nos esprememos em quarto e banheiro minúsculos, com janela dando para uma parede, ar condicionado ruim no alto verão que é alto mesmo no lugar, por US$ 130 com café da manhã fraco. Outras 3 noites foram desperdiçadas em opção mais cara e pior, a supostamente descolada Pousada Tapiz, dentro da vinícola de mesmo nome. Indicada pelas 2 principais revistas de turismo brasileiras, o local é um engodo. Longe de tudo e de todos, no meio de área rural vinícola e olivícola que nem sequer oportunidades de belas caminhadas oferece, sem carro o visitante está frito. Gastamos fortunas de táxi para visitar outras vinícolas, todas espalhadas pelo gigantesco vale. Os quartos da Tapiz são regulares, sem janelas, apenas com portas de vidro que dão todas para um jardim interno, sem a menor privacidade. Aceitam crianças em pousada-chique de apenas 7 quartos e há bebes uivando na degustação grátis para hóspedes dos vinhos mais baratos da casa. Fuja! E fuja também do seu restaurante Terruño, um dos mais famosos do contexto, mas francamente péssimo (cordeiro fedendo a carneiro vivo e velho, entre outros percalços). Toda esta tortura por diária de US$ 170 (bom café da manhã).
Portanto, aqui vai minha idéia do que eu faria em próxima e improvável visita a Mendoza:
1- Estadia no Park Hyatt de no máximo 3 noites (ideal: chegar o mais cedo possível à cidade e voltar no vôo mais tarde possível a Buenos Aires). Garanto que em hotel deste pedigree, o concierge agenda as visitas às vinícolas em condições mais favoráveis aos hóspedes.
2- Passeio de dia inteiro à região longínqua mas bela do Parque Nacional Aconcagua, para ver o monte mais alto das Américas e percorrer bonitos vales. Nem sonhe em hospedar-se em lugares como Uspallata e Los Penitentes. Hotéis e pousadas são medonhos, não confie nas fotos! Alugue carro ou contrate motorista, vá bem cedinho e volte ao cair da tarde.
3- Almoço ou jantar no Azafrán e no Grill do Park Hyatt. O primeiro é um restaurante-loja genial, bons preços, entradas criativas,carnes, massas, sobremesas e vinhos espetaculares, a apenas algumas quadras da praça principal. O segundo, uma das churrascarias melhores do planeta, onde as carnes são as estrelas principais, claro, mas saladas e outras opções não ficam atrás. Serviço superior ao padrão da cidade e possibilidade de tomar vinhos de alta linha em copo, sem a obrigação de comprar a garrafa. Preços razoáveis e satisfação garantida.
4- Caminhada de umas duas ou três horas pelas ruas principais para sentir o clima da cidade. É suficiente.
5- Almoço na vinícola mais espetacular, simpática, honesta e bem organizada da Argentina: a Família Zuccardi.
Os almoços baratos e magníficos, apresentam-se em duas versões: típico ou degustação. O primeiro consiste em fabulosas empanadas, churrasco e sobremesa. Com três vinhos da casa muito bons. O segundo, um pouco mais caro, mas valendo cada centavo, é um banquete de seis pratos e seis vinhos maravilhosos. Em ousadas preparações variando de salada de lentilhas com laranja e cebola sobre biscoito de chocolate; bastões de truta e aliche empanados com espuma de coco e gaspacho; javali com molho de azeitonas e após outras duas sobremesas pequenas e leves, ravióli de abacaxi caramelizado e recheado de pudim de gengibre e damasco. Tudo perfeito, a US$ 60 por pessoa, com direito à visita das mais explicativas e completa à área de produção e engarrafamento da empresa.
E a loja é o único do lugar de toda a região de Mendoza em que se tem vontade de comprar algo!
Os azeites da Família Zuccardi estão no mesmo nível dos melhores europeus e a variedade Arauco, para quem gosta dos forte e intensos é fantástica.
Almoços podem ser em grandes e bem decorados salões tipo casa de fazenda e aconchegantes lareiras, em espaços de vidro, ensolarados e cheios de verde, ou embaixo das parreiras, ao ar livre. O serviço é alegre, bem humorado, informativo, paciente e eficiente.
A casa também oferece cursos de cozinha rápidos com degustações de vinhos, passeios de balão e passeios em carros antigos.
Verificar o site antes de ir a Mendoza é bem recomendável e ir a Mendoza sem visitar a Família Zuccardi é como ir a Roma e não ver o Papa e muito menos o Vaticano. Vá enquanto ainda pertence a uma família argentina visionária e bem intencionada.
E se o turista tiver que escolher entre sul e norte da Argentina? Não puder fazer tudo na mesma viagem?
Eu prefiro o sul, apesar do clima difícil e dos preços bem mais altos. Mas norte e centro devem ser visitados pelo menos umas duas vezes. De qualquer maneira, nosso vizinho mais próximo e conflitado é tão grande e interessante, tão diferente do nosso tropical Brasil, que merece mais atenção e tempo. Sempre e em qualquer época do ano.
São Paulo, 1 de fevereiro de 2009.
Para meu quase-marido, Urs Jaeger, o melhor companheiro de viagem e motorista do mundo!!!
Obrigada pela paciência e bom humor...
DO SUL AO NORTE EM 23 DIAS
No dia 19 de dezembro de 2008 partimos em direção a Buenos Aires, para mais uma estada rápida na capital argentina. Não é o caso de não gostarmos da cidade, pelo contrário, ela é encantadora; mas o país é tão grande – entre os 10 maiores territórios no mundo – que considero total falta de imaginação da maioria dos brasileiros, concentrar-se apenas em Buenos Aires e Bariloche. O país tem muito a oferecer e os preços ainda são razoáveis. Não é pechincha, pois a inflação da Sra. Kirchner beira os 30% ao ano. Oficialmente, 9%. Mentira, pois estivemos na Argentina 3 vezes em menos de dois anos (ver meus artigos PASCOA NA ARGENTINA E NATAL ARGENTINO). Os preços subiram e os argentinos se queixam amargamente da situação política e econômica de seu lindo país.
Novamente, nos hospedamos no Loi Suites, escolha acertada para quem quer localização central e fácil acesso ao Aeroparque, o Congonhas local. Em julho de 2004 pagamos US$ 100 por apartamento que hoje custa US$ 220. É inflação da pesada! Mas ainda assim, vale a pena pelo acesso a pé a nosso restaurante favorito na cidade, o maravilhoso La Cabaña. Minha terceira vez na casa, a primeira para jantar. Cheio, alegre, serviço ótimo e comida fantástica. Carnes indescritíveis e as melhores empanadas do planeta. Vale os US$ 100 por pessoa. Em nossa curta estadia portenha, revisitamos as Galerias Pacífico e compramos livros em uma das simpáticas livrarias do primeiro andar. Também tomamos sorvete de doce de leite no turístico Café Biela, na Recoleta. Tudo muito civilizado e agradável, como também é o Aeroparque, um aeroporto doméstico ainda simpático. Com direito a restaurante de comida japonesa muito bom. E foi via este aeroporto que tomamos o vôo para El Calafate e o deslumbramento da enorme geleira Perito Moreno.
Atualmente, no país, só há duas opções para vôos internos: LAN e Aerolíneas Argentinas. Prefira SEMPRE a primeira, mas encare a segunda se não houver jeito, que foi nosso caso. Tentamos reservar vôos em meados de outubro e a LAN já estava lotada; principalmente para o sul do país, de El Calafate para baixo. Por ser região fria e inóspita, a estação turística vai apenas de outubro a abril (melhor mesmo é ir de dezembro a março) e coincide com a estação de escaladas dos altos picos andinos na região centro-oeste, de Mendoza, fazendo com que vôos e preços se tornem difíceis e altos. Tivemos sorte com a Aerolíneas, que não apresentou atrasos sérios ou cancelamentos. Mas foi apenas isso: sorte. Cortes de vôos são rotineiros, a empresa está sendo estatizada por um estado falido e nosso vôo sem escalas Mendoza/Buenos Aires foi COM escala em San Juan. A maioria dos passageiros reclamou, pois tinham vôos de conexão, muitos deles perdidos. Conselhinho: se a Aerolíneas for inevitável, JAMAIS marque conexões com menos de 4 horas entre a chegada de um vôo e partida de outro. Principalmente se o “outro” vôo for em Ezeiza, o medonho aeroporto internacional de Buenos Aires.
El Calafate é uma pequena cidade às margens do azulíssimo Lago Argentino, um lugar belíssimo, de ventos fortes e paisagem árida. A cidade é simpática, possui bons serviços turísticos e hotéis variados. Escolhemos o moderno Design Suites pela localização romântica às margens do lago, mas não repetiríamos a estadia. É afastado da cidade, em região periférica-feia (perto de um lixão), caro para padrões locais (US$ 220) e por uns 50 dólares a mais seria melhor investir no adorável hotel Los Alamos, central e aconchegante. O serviço do Design beira o pavoroso, a limpeza dos quartos é duvidosa e a comida francamente indecente. Fuja e não se deixe enganar por fotos do prédio descolado, dos grandes vidros, do suposto clima “zen”. A realidade é composta de apartamentos acanhados, com armários minúsculos, cuja única vantagem é a bela vista. Reserve o queixo caído no quesito “vista”, para a geleira Perito Moreno. Se orçamento estiver apertado, o hotel Quijote não faz feio. Quartos simples, preços honestos e café da manhã razoável, além de lugar bem central.
E por falar em centro, a pequena via principal de El Calafate, onde tudo acontece, hospeda estabelecimentos dos mais interessantes. Além de uma casa de cambio, a Thaler, das mais concorridas, o verdadeiro “point” dos gringos locais, oferece ainda a aconchegante pizzaria La Lechuza; boa, barata e animada. O bar Libertador é uma versão local do portenho Café Tortoni e o restaurante Casimiro Biguá é excelente e lotado à noite. Com o mesmo nome há uma churrascaria e uma casa de massas. Fomos ao tradicional e mais transado, o Casimiro Biguá ao lado da casa de cambio Thaler. Não perca!
Alugamos carro para seguir viagem a Ushuaia e a filial da Localiza oferece um bom serviço. Preços nunca são bons na Argentina para locadoras oficiais, tipos as grandes americanas e a nossa Localiza. Mas eu nunca arriscaria as locadoras argentinas “genéricas”. Se nas grandes os carros são alugados em estado de manutenção/quilometragem duvidosos, o que dizer das mais baratas?
Alugar carro em El Calafate vale a pena se o viajante quiser ir além de Perito Moreno. Se ficar restrito a passeios locais e à geleira, é melhor contratar excursões nas várias agencias que vendem as mesmas. Se a intenção, na região, incluir El Chaltén, o carro é essencial. E eu não voaria mais de 3 horas Buenos Aires – El Calafate, enfrentando a turbulência amedrontadora dos ventos patagônicos e o serviço triste da Aerolíneas só para ir a Calafate. Bom, a geleira é mesmo fantástica e vale a visita, mas El Chaltén e o Parque Nacional Los Glaciares são igualmente imperdíveis para amantes da dobradinha natureza/caminhadas.
Bem, vamos por partes. Primeiro, Perito Moreno. Já vi geleiras em minha longa carreira de turista profissional (inclusive as do topo do Kilimanjaro, algumas chilenas, divertidas e civilizadas na Suíça e várias na Antártida), mas a acima citada ganha O Oscar do Gelo! Gigantesca e azul, é um show de som e luz. Em constante crescimento, movimenta-se como um paquiderme congelado e no processo de tal movimentação produz sons estranhíssimos, lúgubres e derrubadas de blocos de gelo constantes. Não é preciso cam inhar sobre ela, como oferecem agencias locais, ou mesmo tomar o barco para ver a maravilha por outro ângulo. É só pagar a entrada do parque, ir aos mirantes diversos e bem construídos espalhados por ali e divertir-se por horas com um dos espetáculos mais sensacionais que a natureza pode oferecer. Evite a mega-roubada de hospedar-se no caríssimo hotel Los Notros, cuja propaganda enganosa oferece a promessa de hospedagem “em frente à geleira”. Em frente, do outro lado da estrada e bem longe da dita cuja. Nada que se compare ao Hotel Explora, no sul do Chile, e à sua localização sem estrada pelo meio, realmente em frente à vista mais bonita do mundo. O Los Notros é uma pousada de luxo à beira da estrada, muito pequena, sem área própria ou privacidade. Mas o mesmo não se pode dizer do hotel de mesmo dono, o magnífico Los Cerros, na minúscula e adorável El Chaltén.
A vilazinha localizada a 220 kilometros de El Calafate e encravada entre enormes montanhas na fronteira com o Chile, é o centro urbano mais jovem da Argentina (1985), criado especialmente para popular o local em uma das muitas disputas fronteiriças entre nossos dois queridos vizinhos . Simples, acolhedora e muito simpática, El Chaltén está praticamente dentro do Parque Los Glaciares e o entorno é precioso, paisagem de contos de fadas; um ninho de sonho em meio a montanhas, neves, geleiras variadas, riachos e muito verde. Além da vistas maravilhosas para os picos severos e intrigantes da cadeia Fitz Roy (o próprio é um “Pão de Açúcar” patagônico de 3375 metros de altura). É também, auto-proclamada, a “Capital Nacional do Trekking”; não sem justiça, pois caminhar e escalar são mesmo as atividades principais ligadas ao turismo na região. Há cerca de dez trilhas básicas com níveis de dificuldade e duração distintos, algumas delas auto-guiadas e outras com necessidade de mapas ou guias. O Centro de Informações localizado na entrada da vila fornece boa orientação. Para os pescadores a área é também adequada no verão e simples passeios de barco oferecem paisagens inesquecíveis.
A viagem de carro de El Calafate a El Chaltén, por boa estrada recentemente asfaltada, é deslumbrante e vale parar muitas vezes para fotos. É um cenário único, solitário, magnífico, enorme. É uma das áreas mais bonitas e menos conhecidas da Patagônia Argentina e é possível hospedar-se em algumas pousadas ou hotéis-fazenda simples pelo caminho, se o fascínio com a paisagem for forte demais. Vale a pena, há estâncias oferecendo quartos e refeições por toda parte e até algumas mais sofisticadas, dispondo de atividades aquáticas e visitas com caminhadas às várias geleiras do parque nacional. A hospedagem em El Chaltén é variada: chalés simples, outros médios, pousadas semi-básicas e albergues de mochileiros. No quesito alimentação a coisa se sofistica mais e há lugares encantadores como o barzinho/lanchonete/restaurante La Senyera, de propriedade de donos espanhóis, catalão que denomina seu pequeno estabelecimento de Pulpería El Chaltén e oferece bizarrices como polvo em região bem longe do mar e pan com tomate, uma iguaria típica de Barcelona. Muito charmoso, todo em madeira rústica, boas empanadas, boa música e preços módicos.
Mas é no hotel Los Cerros que El Chaltén vislumbra o futuro e o potencial turístico da vila. Único alojamento de luxo na cidade, é uma proposta “zen”. Quartos muito confortáveis, grandes e bem decorados. Pequeno e eficiente SPA, vistas fabulosas às montanhas. Mas não há TV nos apartamentos e celular não pega por lá. Por enquanto...
Há Wi Fi no bar e dois computadores que podem ser usados pelos hóspedes. Só. O resto é paz, conforto, aconchego, exercío físico nas trilhas embasbacantes das montanhas e romance. E para completar o “repouso do guerreiro”, as iguarias fabulosas do restaurante estrelado do Los Cerros, na certa o melhor da província de Santa Cruz (na região andina). Nosso cardápio natalino, por exemplo, consistiu de 5 pratos muito bem preparados e apresentados, em amostras ousadas de camarões com berinjela defumada, truta grelhada com creme negro e nhoques na tinta de lula, peru laqueado com batatas, erva doce e alcaparras, ou ainda mesmo cervo envolto em massa folhada com purê cremoso de ervilhas, carpaccio de ameixas frescas e suco de frutas do bosque. Sobremesas leves e “buffet doce” ao final, para acompanhar as maravilhas, cada delas escoltadas por vinhos argentinos muito especiais e bem apropriados aos pratos. Desnecessário dizer que foi um dos natais mais felizes de nossas vidas. Em lugar paradisíaco e muito bem alimentados!
O Los Cerros não é nenhuma pechincha, claro, mas no Natal 2008, duas noites com café da manhã, um jantar e um almoço e a ceia fabulosa acima descrita, mais massagens, nos custou US$ 600,00 o casal. Vale o investimento. E como termo de comparação: o Los Notros, dos mesmos proprietários, apenas por estar supostamente localizado “perto” e com vista à geleira Perito Moreno, custa cerca de US$ 1000 a diária com pensão completa. Vale?
Mas como mordomia e sossego não são eternos, pena, lá fomos nós negociar os mais de 1000 quilômetros ou algo parecido que nos levaram de El Chaltén a Ushuaia. Em dois dias de belas paisagens, a Patagônia mística e desoladora em toda sua enorme amplidão. Cruzamos duas vezes a fronteira com o Chile e até balsa chilena tomamos. É tudo bem organizado, fácil, divertido. Boas e bem sinalizadas estradas, nem o trecho de terra de 120 kms foi difícil. A parada para o pernoite necessário foi em Rio Grande, uma cidade feia e sem graça à beira mar, ao sul da pior ainda Rio Gallegos. Mas não há jeito, os trajetos são longos mesmo na enorme Argentina e se o turista se encontrar por acaso em Rio Grande, a pousada Los Sauces quebra o galho e até tem restaurante decente onde se pode provar a estrela gastronômica do extremo sul chileno e argentino, a centolla; aquele caranguejão-monstro de águas profundas e geladas. Maravilhoso!
Última parada sulina: Ushuaia.
O trecho rodoviário de Rio Grande a Ushuaia é lindíssimo e dá vontade de percorrer de novo só para apreciar melhor as florestas austrais , repletas de notofagus, umas árvores lindas que não crescem no nosso quente e tropical Brasil. Mesmo no verão, há neve nos picos de montanhas que cercam Ushuaia e pode nevar a qualquer hora. O que é muito divertido: um dia acordamos com neve nos cumes e gelo por toda parte. Chuva transforma-se rapidamente em neve, bem no meio do dia. Em finais de dezembro!
A chegada a Ushuaia é emocionante, de montanhas e florestas se vai ao mar, ao famoso Canal Beagle, tão disputado entre Chile e Argentina. Suas águas cinza-chumbo, brilham prateadas quando o sol permite uma tímida passagem entre as nuvens sempre muito baixas à beira mar. A cidade é feia , mas charmosa e um tanto misteriosa, com aquele ar duvidoso e boêmio de lugares portuários; um misto de turistas, comércio, navios de todo tipo, veleiros, gente do mundo inteiro. Tudo isso encravado sobre a estreita e íngreme faixa de terra entre o Canal de Beagle e os Andes Costeiros. Com direito a floresta subindo as escarpas dos montes negros e nevados quase sempre.
O bizarro lugar é a cidade mais austral do mundo e merecida mente se auto-intula O Fim do Mundo; e lucra com isso na venda de todo o tipo de produtos “fim do mundo”. A loja do Parque Nacional Tierra Del Fuego vende ótimos souvenires do tipo. Baratos e de bom gosto. Aliás, Ushuaia oferece boas compras por ser área portuária de grande movimento internacional e zona franca livre de impostos; raridade na Argentina que fora vinhos, couros caros e doce de leite, está mais para cemitério do consumo do que paraíso.
O Parque Nacional deve ser visitado e aproveitado ao máximo pelas lindas paisagens, limpeza, boa sinalização e organização e por um singelo passeio no antigo trem que levava os prisioneiros condenados a passarem o resto dos seus dias no “fim do mundo”. Há restaurante decente e boa loja na área do parque e se o tempo permitir um piquenique, por que não? Há infra para isso e os locais adoram. Com direito a lindos coelhinhos pululando por todos os lados.
Ushuaia oferece bons hotéis em todas as categorias possíveis. Na alta estação, verão, caros. Três estrelas com apartamento acanhado sai por US$ 180 fácil e os cinco estrelas estão na faixa de 500 a 600. A maioria dos hotéis e restaurantes possui vistas fantásticas e almoços e cafés da manhã são sempre uma divertida festa para os olhos. Só a beleza da natureza já é um show. Adicionando-se o movimento do porto e o do aeroporto, onde se pode acompanhar pousos e decolagens o dia todo. Navios-chiques de cruzeiros antárticos ou não estão sempre por lá. Acompanhamos por horas a movimentação de um dos mais luxuosos do mundo, o alemão Europa, da varanda (fechada com vidro) do melhor restaurante da cidade, o Kaupé.É considerado um dos melhores da Argentina e vale mesmo a distinção. Entramos em delírio gourmet com um dos mais bem preparados pratos de centolla do universo, uma receita simples, realçando perfeitamente o sabor único deste caro e difícil crustáceo. Meu marido, optou por versão mais elaborada, envolta em crepes ao molho de açafrão e não se arrependeu. Ele foi de merluza negra e eu mergulhei no melhor bife argentino da viagem e, quiçá, que já pedi neste país,acompanhado do melhor molho cremoso com pimenta do reino em grão que já provei; antecederam panqueca de doce de leite ao conhaque, uma apoteose argentina, versão inspirada dos Crepes Suzettes franceses. Tudo em ambiente simples e agradável, onde a cozinha e não a decoração é a estrela absoluta. O serviço é cortes e eficiente, preços altos mas justos. Mas veja bem: o preço alto-Buenos Aires é US$ 100 por pessoa. Ushuaia, mesmo em altíssima temporada cobra 70.
Também prestigiamos o conhecido restaurante Chez Manu, o “darling” do guia Lonely Planet e outras referencias viageiras. Sua localização é preciosa, bem no alto das tais severas montanhas que abraçam a cidade, em meio às tais florestas fueguinas, coisa mesmo de cartão postal. Mas comida e ambiente decepcionam em relação à fama. O lugar é grande demais, frio, e a comida bastante comum para tanto elogio. Há mais casas boas em Ushuaia, mas como só ficamos por lá dois dias, fica para a próxima. Ushuaia vale mais tempo e os passeios de barco são lindo e inúmeros. Tomamos um catamarã no porto que nos levou a colônias de focas e pássaros e nos brindou com a vista mais espetacular do lugar: do mar, olhando para as montanhas àquela altura coroadas de neve, seguidas por verde da vegetação e as casinhas simples e coloridas espremidas na encosta. Pena que a Terra do Fogo seja tão longe, pois é tão interessante e oferece as possibilidades de esqui mais longas da América do Sul, de maio a novembro. Fora os passeios em trenós puxados por cães especialmente treinados para isso.
Pretendemos voltar um dia a quase todos estes lugares. A Patagônia argentina, de Neuquén até Ushuaia é deslumbrante. E isso porque ainda nem conhecemos as regiões de Esquel e El Bolsón. Não faltará oportunidade!
O mesmo entusiasmo não se aplica ao norte da Argentina, onde nunca tinha estado e para onde voamos, com escala em Buenos Aires. Mais precisamente a Salta, que é uma cidade grande e interessante onde nos hospedamos no ótimo hotel Sheraton. Com certeza, o melhor custo-benefício da viagem. Quarto grande e confortável, bom café da manhã, restaurante excelente, serviço alegre e gentil, dupla difícil de encontrar na Argentina, onde quase todos no setor parecem ser infelizes e agem como se seus empregos fossem uma indignidade.
Salta é bem movimentada e sua parte colonial atraente, principalmente a Plaza central e seus bons cafés, empanadas saltenhas famosas (as do Doña Salta são boas, mas apenas regulares se comparadas às dos cafés da praça, principalmente o localizado bem em frente ao tradicional hotel Salta; belas igrejas e museus. Não tivemos tempo de conferir se opções noturnas como a Rua Balcarce e seus famosos bares, ou as “Peñas de Salta”, espetáculos folclóricos, são mesmo dignos de nota. Entretanto, na certa, a cidade merece duas ou três noites e em longa viagem é boa parada para comprar suprimentos (a Farmacity é uma cadeia espetacular de farmácia/supermercado, sem igual no Brasil) ou alugar carros. Além de servir de base para passeios mais curtos na região. Mas não se vai a Salta como destino final e sim como porta de entrada/saída para o “Atacama” argentino. E para o “Trem das Nuvens”, infelizmente fora de operação no verão, devido às chuvas. Era trem de carga e passageiros, agora é atração turística, mas só funciona de abril a outubro. De toda maneira é bom que o viajante verifique época e horários de funcionamento antes de contar como certo o passeio. É com certeza nosso próximo objetivo quando voltarmos felizes ao norte Argentino. Que merece ser visitado mais de uma vez e com planejamento mais detalhado.
O Deserto do Atacama, no Chile, ou seja, do outro lado dos Andes, é magnífico e muitos brasileiros sabem disso. Mas existe o lado argentino, igualmente bonito e surpreendentemente diferente. Como pode ser diferente se também é deserto? É bastante distinto do lado chileno pela proximidade com os Andes e seus nevados e altíssimos picos. A água do degelo corre quase toda para o lado argentino, transformando os vales localizados entre os cânions, lá chamados de “quebradas”, em regiões férteis, verdes e apropriadas ao cultivo de frutas, por exemplo. O contraste entre as quebradas multicoloridas e o verde é estonteante e as boas estradas facilitam esta observação, entre Salta e a fronteira com a Bolívia, aonde infelizmente não chegamos. Mas chegamos à adorável vilazinha de Purmamarca e seu delicioso hotel Los Colores. Bom e barato, apenas alguns chalés em bonito estilo indígena-local, adobe imitando antigas vivendas nativas. Um charme em meio aos cânions coloridos, em especial o Siete Colores e seus tons divinos que vão do roxo ao amarelo, passando por vermelhos e até gamas de verde. Pode-se caminhar à vontade por esta maravilha natural e as oportunidades para fotos ao amanhecer ou por do sol são verdadeiramente preciosas. A minúscula e charmosa vila conta com, incrivelmente, um hotel cinco estrelas e seu igualmente estrelado restaurante, El Manantial Del Silencio. O hotel foi construído para imitar um monastério e o efeito é singular. Possui loja com artigos caros, mas de primeira da região e os tapetes e tapeçarias não podem ser mais bonitos. O bar é animado e o cardápio da casa inovador e leve, sem deixar de lado os cozidos fortes do norte argentino. Carta de vinhos reduzida e correta. No entanto, eu não me hospedaria lá devido ao grande numero de turistas velhos, feios e famílias com crianças que tiram um pouco o charme do lugar. Voltaria ao Los Colores, mais típico, mais espaçoso em termos de acomodações, no coração das quebradas, mais barato e adequado a casais.
Por toda a região genericamente conhecida como Quebrada de Humahuaca, há cidades e vilas oferecendo atrações diversas. É necessário carro e tempo para ver tudo e incluindo Salta, uma semana é o mínimo-ideal por lá. Jujuy é fora Salta a outra grande cidade do norte e também oferece possibilidades que não conferimos. Isso sem mencionar a fronteira com a Bolívia e o outro país que também apresentam atrativos turísticos. Mais uma semana. É a imensidão da América do Sul, tão linda e desconhecida por nós brasileiros...
Ao sul de Salta, via Cachi, encontram-se os vales do rio Calchaquí e suas vinícolas cuja estrela principal é a uva torrontés, cepa espanhola que dá origem ao extraordinário vinho branco de mesmo nome. Plantada por toda a gigantesca área viticultora da Argentina, é no tal Vale, alto e frio que os vinhos saem mais espetaculares ainda. A viagem de Salta a Cachi envolve um longo percurso por sinuosa e estreita estrada de terra morro acima, atingindo lugares a quase 2500 metros acima do mar e, conseqüentemente, vistas lindas de montanhas e vulcões nevados o ano todo, passando pelo curioso Parque Nacional Los Cardones, salpicado pelos cactos gigantes de mesmo nome. Paisagens lunares, florestas espessa, chorões debruçados sobre rios e riachos, há de tudo e fazem o turista esquecer as agruras da estrada precária. Além da paisagem incrível, Cachi é um vilarejo adorável de cerca de 2500 criaturas e arquitetura colonial bem preservada em suas brancas casas de adobe caiado e ruas de paralelepípedo. Oferece alguns bares, restaurantes e pousadas e uma praça principal das mais atraentes; como também é atraente o hotel La Merced Del Alto, fora da cidade, plantado em morro de paisagem bonita e florida.
Administrado pelo mesmo grupo do El Manantial Del Silencio, em Purmamarca, e construído no mesmo estilo monastério-chique, foi nossa opção para a virada de 2008 a 2009. Boa ceia, bons preços, quarto espaçoso e confortável, boa música ao vivo e belos vinhos e espumantes. No dia seguinte, seguimos caminho por uma estrada de terra ainda mais longa e tortuosa, com destino a Cafayate, a capital do vinho do norte da Argentina. Apesar de difícil, o caminho passa por formações geológicas estilo lunar, cânions, montanhas e vales ímpares, completamente diferentes dos visitados anteriormente. Imperdíveis e muito melhor aproveitados se tivéssemos nos hospedado na Finca Colomé, genial estância e bodega do grupo suíço, Hess. O lugar é paradisíaco, idem para os vinhos da casa e teria oferecido alívio da estrada. Fica para a próxima, com certeza!
Cafayate é a “metrópole” do vale Calchaquí, com quase 12000 habitantes. É uma cidade simpática, hospitaleira e oferece de tudo um pouco, além de estar localizada entre as grandes vinícolas do pedaço, como a Etchart e outras hoje pertencentes a grandes grupos internacionais. A maioria dispõe de visitas guiadas e degustações. Nada que se compare às de Mendoza, mas valem pelos vinhos torrontés e técnicas de cultivo um tanto diferentes das operações mais ao sul do país, devido à localização das parreiras a 1700 metros de altitude e seu especial micro-clima resultante. Hospedamos-nos numa delas, a El Esteco, um lugar lindo operado pela cadeia chique Starwood, aquela mesma do Sheraton. Chama-se Pátios de Cafayate, aproveitando uma casa antiga de fazenda, um cenário divino, instalações de primeira e até SPA com produtos de uvas, cremes faciais e corporais confeccionados com uvas tipo malbec, banhos torrontés, massagens com polpa da fruta e outros que tais. Tudo bem instalado, bonito, confortável e caro. Pena que a comida do hotel e o serviço não acompanhem o resto. Entretanto, apesar de existirem outras opções top na região, o Pátios de Cafayate e seus US$ 450 por suíte ampla e banheiro com jacuzzi dupla e café da manhã regular ainda é recomendável. A visita grátis para os hóspedes da vizinha Bodega El Esteco é interessante, apesar de que, como na imensa maioria das vinícolas argentinas, mesmo pagando, o visitante só prova vinhos das linhas mais baratas das casas. Ao contrário do Chile, onde impera a simpatia, a generosidade, o bom serviço e a estratégia de marketing inteligente de servir vinhos de primeira aos turistas, na Argentina impera a “mentalidade Gérson”, estúpida e antiquada. Pena, pois os produtos deste país que é o quinto maior produtor de vinhos do globo são tão bons quanto os do Chile, mas bem mal divulgados. Reflexo da atitude geral de um povo que está custando muito a baixar do salto...
Apesar de recomendados pelo nosso elegante hotel, com bilhetinho da gerente ao proprietário, não degustamos nada, nem pagando, na vinícola-boutique Yacochuya, localizada em lugar estonteante fora da cidade. Sei de fonte super confiável que os vinhos são ótimos e aqui em São Paulo vendidos pela distribuidora Grand Cru, nos Jardins. Mesmo assim, recebidos de má vontade pelo esnobe dono, o senhor Alberto Etchart, nada conseguimos. Parece que em certos dias da semana, aos sábados, se não me engano, há almoço pago com os tais vinhos especiais, mas não pudemos ter a honra...
Ainda sobre o tema, nas “bodegas” brasileiras, na região gaúcha de Bento Gonçalves, as degustações e visitas são totalmente grátis, a simpatia impera e apesar da qualidade dos vinhos estar ainda longe dos argentinos, as visitas são mais prazerosas e divertidas.
Em Cafayate, além de passagem rápida por padaria descolada em frente ao posto de gasolina principal, almoçamos muito bem no simples Terruño, na praça central. Apesar de empanadas um tanto secas, as massas e seus inventivos molhos estão entre as melhores do universo, sem exagero, e as sobremesas são bem interessantes. Bom e barato.
A Quebrada de Cafayate, nos arredores da cidade é monumental e de fácil visitação. Bela estrada asfaltada e sinalização perfeita, muito que ver e fotos impressionantes.
E, deste ponto, deveríamos ter voltado a Salta, tomado um avião até Mendoza, nosso objetivo final e evitados os vários dias de percursos estúpidos por regiões menos interessantes da Argentina, localidades “zero-interesse” tipo Tafí Del Valle, La Rioja; lugares sem nada de interessante para ver ou conhecer e trajetos rodoviários longos e cansativos. No verão, lugares fumegantes, paisagens desérticas como San Juan e nada de mais interessante a não ser o santuário da Difunta Correa, santa que não é reconhecida pela Igreja Católica, mas desperta paixões nos argentinos mais simples e crédulos. O lugar é pavorosamente feio, mas fascina pela história da Difunta, pela fé fortíssima das pessoas, pelas oferendas, pelo caótico, pelo genuíno e não-turístico propósito das instalações.
Entre Mendoza e Salta pode-se visitar Tucumã e Córdoba, cidades grandes que devem ser interessantes, mas para isso é necessário muito tempo e disposição.
E à famosa Mendoza, templo do vinho, agora na moda, o que a revista americana Newsweek recentemente chamou de “Napa Sul Americano”, referindo-se ao vale Napa, na Califórnia, região dos melhores vinhos norte americanos. E há muitos americanos por lá, seguindo as dicas da revista.
Mendoza é uma cidade bastante arborizada e gostosa de percorrer a pé,de 120.000 habitantes, numa planície seca ao pé dos Andes na região centro oeste da Argentina. Com as águas do degelo de gigantes como o monte Aconcágua, o deserto fica fértil e a ausência de chuvas fortes faz com que o lugar seja perfeito ao cultivo de uvas. E que uvas! A estrela, a malbec, faz as honras da casa e os vinhos são mesmo estupendos. Mas, apesar de estar na moda em publicações diversas através do mundo e várias no Brasil, Mendoza só interessa aos amantes do vinho e da gastronomia. E atenção aos brasileiros seduzidos pelas reportagens coloridas de nossas revistas de turismo pouco críticas: não há NADA a comprar que não seja vinho ou azeite de oliva, os shoppings são fracos, os filmes dos cinemas dublados em espanhol e opções limitadas de esportes radicais e esqui no inverno, longe, bem longe da cidade (cerca de 200 quilômetros). Não existem museu, shows, teatros e igrejas interessantes e vida noturna se resume, de novo, a vinhos e comida. Portanto, pense bem antes de enfrentar São Paulo-Buenos Aires, trocar de aeroporto e voar BA-Mendoza para se decepcionar.
Contudo, se beber e comer bem é seu objetivo único e principal, Mendoza pode ser interessante; mas não barato e vejamos por que. Em Buenos Aires come-se e bebe-se muito bem além dos atrativos óbvios de uma das maiores cidades do mundo, mas hospeda-se e faz-se o resto com relativo conforto e economia. Em Mendoza não. Quem quer experiência realmente divertida na área, tem que gastar. Hospedagem legal mesmo é só nos hotéis que começam em US$ 400 por dia e organizam visitas às vinícolas Premium que vão servir ao freguês, pagando claro, os vinhos realmente legais dos estabelecimentos. Alguns deles oferecem atraentes almoços junto a visitas e degustações: por cerca de US$80 por pessoa. Fim da primavera e durante o verão apresentam natureza verde e pujante e a divertida, mais cara, época da colheita. Inverno seca tudo, mas tem neve para quem gosta de esquiar (esporte não-barato). Talvez a época mais em conta seja o outono e sua lindas folhagem amarela e vermelha.
Como não sabíamos de tais truques, nos hospedamos no auge do verão no correto e simples Hotel Argentino, na praça principal, bem ao lado do famoso Park Hyatt. Por duas noites nos esprememos em quarto e banheiro minúsculos, com janela dando para uma parede, ar condicionado ruim no alto verão que é alto mesmo no lugar, por US$ 130 com café da manhã fraco. Outras 3 noites foram desperdiçadas em opção mais cara e pior, a supostamente descolada Pousada Tapiz, dentro da vinícola de mesmo nome. Indicada pelas 2 principais revistas de turismo brasileiras, o local é um engodo. Longe de tudo e de todos, no meio de área rural vinícola e olivícola que nem sequer oportunidades de belas caminhadas oferece, sem carro o visitante está frito. Gastamos fortunas de táxi para visitar outras vinícolas, todas espalhadas pelo gigantesco vale. Os quartos da Tapiz são regulares, sem janelas, apenas com portas de vidro que dão todas para um jardim interno, sem a menor privacidade. Aceitam crianças em pousada-chique de apenas 7 quartos e há bebes uivando na degustação grátis para hóspedes dos vinhos mais baratos da casa. Fuja! E fuja também do seu restaurante Terruño, um dos mais famosos do contexto, mas francamente péssimo (cordeiro fedendo a carneiro vivo e velho, entre outros percalços). Toda esta tortura por diária de US$ 170 (bom café da manhã).
Portanto, aqui vai minha idéia do que eu faria em próxima e improvável visita a Mendoza:
1- Estadia no Park Hyatt de no máximo 3 noites (ideal: chegar o mais cedo possível à cidade e voltar no vôo mais tarde possível a Buenos Aires). Garanto que em hotel deste pedigree, o concierge agenda as visitas às vinícolas em condições mais favoráveis aos hóspedes.
2- Passeio de dia inteiro à região longínqua mas bela do Parque Nacional Aconcagua, para ver o monte mais alto das Américas e percorrer bonitos vales. Nem sonhe em hospedar-se em lugares como Uspallata e Los Penitentes. Hotéis e pousadas são medonhos, não confie nas fotos! Alugue carro ou contrate motorista, vá bem cedinho e volte ao cair da tarde.
3- Almoço ou jantar no Azafrán e no Grill do Park Hyatt. O primeiro é um restaurante-loja genial, bons preços, entradas criativas,carnes, massas, sobremesas e vinhos espetaculares, a apenas algumas quadras da praça principal. O segundo, uma das churrascarias melhores do planeta, onde as carnes são as estrelas principais, claro, mas saladas e outras opções não ficam atrás. Serviço superior ao padrão da cidade e possibilidade de tomar vinhos de alta linha em copo, sem a obrigação de comprar a garrafa. Preços razoáveis e satisfação garantida.
4- Caminhada de umas duas ou três horas pelas ruas principais para sentir o clima da cidade. É suficiente.
5- Almoço na vinícola mais espetacular, simpática, honesta e bem organizada da Argentina: a Família Zuccardi.
Os almoços baratos e magníficos, apresentam-se em duas versões: típico ou degustação. O primeiro consiste em fabulosas empanadas, churrasco e sobremesa. Com três vinhos da casa muito bons. O segundo, um pouco mais caro, mas valendo cada centavo, é um banquete de seis pratos e seis vinhos maravilhosos. Em ousadas preparações variando de salada de lentilhas com laranja e cebola sobre biscoito de chocolate; bastões de truta e aliche empanados com espuma de coco e gaspacho; javali com molho de azeitonas e após outras duas sobremesas pequenas e leves, ravióli de abacaxi caramelizado e recheado de pudim de gengibre e damasco. Tudo perfeito, a US$ 60 por pessoa, com direito à visita das mais explicativas e completa à área de produção e engarrafamento da empresa.
E a loja é o único do lugar de toda a região de Mendoza em que se tem vontade de comprar algo!
Os azeites da Família Zuccardi estão no mesmo nível dos melhores europeus e a variedade Arauco, para quem gosta dos forte e intensos é fantástica.
Almoços podem ser em grandes e bem decorados salões tipo casa de fazenda e aconchegantes lareiras, em espaços de vidro, ensolarados e cheios de verde, ou embaixo das parreiras, ao ar livre. O serviço é alegre, bem humorado, informativo, paciente e eficiente.
A casa também oferece cursos de cozinha rápidos com degustações de vinhos, passeios de balão e passeios em carros antigos.
Verificar o site antes de ir a Mendoza é bem recomendável e ir a Mendoza sem visitar a Família Zuccardi é como ir a Roma e não ver o Papa e muito menos o Vaticano. Vá enquanto ainda pertence a uma família argentina visionária e bem intencionada.
E se o turista tiver que escolher entre sul e norte da Argentina? Não puder fazer tudo na mesma viagem?
Eu prefiro o sul, apesar do clima difícil e dos preços bem mais altos. Mas norte e centro devem ser visitados pelo menos umas duas vezes. De qualquer maneira, nosso vizinho mais próximo e conflitado é tão grande e interessante, tão diferente do nosso tropical Brasil, que merece mais atenção e tempo. Sempre e em qualquer época do ano.
São Paulo, 1 de fevereiro de 2009.
Para meu quase-marido, Urs Jaeger, o melhor companheiro de viagem e motorista do mundo!!!
Obrigada pela paciência e bom humor...
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