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domingo, 1 de fevereiro de 2009

ARGENTINA 2009
DO SUL AO NORTE EM 23 DIAS

No dia 19 de dezembro de 2008 partimos em direção a Buenos Aires, para mais uma estada rápida na capital argentina. Não é o caso de não gostarmos da cidade, pelo contrário, ela é encantadora; mas o país é tão grande – entre os 10 maiores territórios no mundo – que considero total falta de imaginação da maioria dos brasileiros, concentrar-se apenas em Buenos Aires e Bariloche. O país tem muito a oferecer e os preços ainda são razoáveis. Não é pechincha, pois a inflação da Sra. Kirchner beira os 30% ao ano. Oficialmente, 9%. Mentira, pois estivemos na Argentina 3 vezes em menos de dois anos (ver meus artigos PASCOA NA ARGENTINA E NATAL ARGENTINO). Os preços subiram e os argentinos se queixam amargamente da situação política e econômica de seu lindo país.
Novamente, nos hospedamos no Loi Suites, escolha acertada para quem quer localização central e fácil acesso ao Aeroparque, o Congonhas local. Em julho de 2004 pagamos US$ 100 por apartamento que hoje custa US$ 220. É inflação da pesada! Mas ainda assim, vale a pena pelo acesso a pé a nosso restaurante favorito na cidade, o maravilhoso La Cabaña. Minha terceira vez na casa, a primeira para jantar. Cheio, alegre, serviço ótimo e comida fantástica. Carnes indescritíveis e as melhores empanadas do planeta. Vale os US$ 100 por pessoa. Em nossa curta estadia portenha, revisitamos as Galerias Pacífico e compramos livros em uma das simpáticas livrarias do primeiro andar. Também tomamos sorvete de doce de leite no turístico Café Biela, na Recoleta. Tudo muito civilizado e agradável, como também é o Aeroparque, um aeroporto doméstico ainda simpático. Com direito a restaurante de comida japonesa muito bom. E foi via este aeroporto que tomamos o vôo para El Calafate e o deslumbramento da enorme geleira Perito Moreno.
Atualmente, no país, só há duas opções para vôos internos: LAN e Aerolíneas Argentinas. Prefira SEMPRE a primeira, mas encare a segunda se não houver jeito, que foi nosso caso. Tentamos reservar vôos em meados de outubro e a LAN já estava lotada; principalmente para o sul do país, de El Calafate para baixo. Por ser região fria e inóspita, a estação turística vai apenas de outubro a abril (melhor mesmo é ir de dezembro a março) e coincide com a estação de escaladas dos altos picos andinos na região centro-oeste, de Mendoza, fazendo com que vôos e preços se tornem difíceis e altos. Tivemos sorte com a Aerolíneas, que não apresentou atrasos sérios ou cancelamentos. Mas foi apenas isso: sorte. Cortes de vôos são rotineiros, a empresa está sendo estatizada por um estado falido e nosso vôo sem escalas Mendoza/Buenos Aires foi COM escala em San Juan. A maioria dos passageiros reclamou, pois tinham vôos de conexão, muitos deles perdidos. Conselhinho: se a Aerolíneas for inevitável, JAMAIS marque conexões com menos de 4 horas entre a chegada de um vôo e partida de outro. Principalmente se o “outro” vôo for em Ezeiza, o medonho aeroporto internacional de Buenos Aires.
El Calafate é uma pequena cidade às margens do azulíssimo Lago Argentino, um lugar belíssimo, de ventos fortes e paisagem árida. A cidade é simpática, possui bons serviços turísticos e hotéis variados. Escolhemos o moderno Design Suites pela localização romântica às margens do lago, mas não repetiríamos a estadia. É afastado da cidade, em região periférica-feia (perto de um lixão), caro para padrões locais (US$ 220) e por uns 50 dólares a mais seria melhor investir no adorável hotel Los Alamos, central e aconchegante. O serviço do Design beira o pavoroso, a limpeza dos quartos é duvidosa e a comida francamente indecente. Fuja e não se deixe enganar por fotos do prédio descolado, dos grandes vidros, do suposto clima “zen”. A realidade é composta de apartamentos acanhados, com armários minúsculos, cuja única vantagem é a bela vista. Reserve o queixo caído no quesito “vista”, para a geleira Perito Moreno. Se orçamento estiver apertado, o hotel Quijote não faz feio. Quartos simples, preços honestos e café da manhã razoável, além de lugar bem central.
E por falar em centro, a pequena via principal de El Calafate, onde tudo acontece, hospeda estabelecimentos dos mais interessantes. Além de uma casa de cambio, a Thaler, das mais concorridas, o verdadeiro “point” dos gringos locais, oferece ainda a aconchegante pizzaria La Lechuza; boa, barata e animada. O bar Libertador é uma versão local do portenho Café Tortoni e o restaurante Casimiro Biguá é excelente e lotado à noite. Com o mesmo nome há uma churrascaria e uma casa de massas. Fomos ao tradicional e mais transado, o Casimiro Biguá ao lado da casa de cambio Thaler. Não perca!
Alugamos carro para seguir viagem a Ushuaia e a filial da Localiza oferece um bom serviço. Preços nunca são bons na Argentina para locadoras oficiais, tipos as grandes americanas e a nossa Localiza. Mas eu nunca arriscaria as locadoras argentinas “genéricas”. Se nas grandes os carros são alugados em estado de manutenção/quilometragem duvidosos, o que dizer das mais baratas?
Alugar carro em El Calafate vale a pena se o viajante quiser ir além de Perito Moreno. Se ficar restrito a passeios locais e à geleira, é melhor contratar excursões nas várias agencias que vendem as mesmas. Se a intenção, na região, incluir El Chaltén, o carro é essencial. E eu não voaria mais de 3 horas Buenos Aires – El Calafate, enfrentando a turbulência amedrontadora dos ventos patagônicos e o serviço triste da Aerolíneas só para ir a Calafate. Bom, a geleira é mesmo fantástica e vale a visita, mas El Chaltén e o Parque Nacional Los Glaciares são igualmente imperdíveis para amantes da dobradinha natureza/caminhadas.
Bem, vamos por partes. Primeiro, Perito Moreno. Já vi geleiras em minha longa carreira de turista profissional (inclusive as do topo do Kilimanjaro, algumas chilenas, divertidas e civilizadas na Suíça e várias na Antártida), mas a acima citada ganha O Oscar do Gelo! Gigantesca e azul, é um show de som e luz. Em constante crescimento, movimenta-se como um paquiderme congelado e no processo de tal movimentação produz sons estranhíssimos, lúgubres e derrubadas de blocos de gelo constantes. Não é preciso cam inhar sobre ela, como oferecem agencias locais, ou mesmo tomar o barco para ver a maravilha por outro ângulo. É só pagar a entrada do parque, ir aos mirantes diversos e bem construídos espalhados por ali e divertir-se por horas com um dos espetáculos mais sensacionais que a natureza pode oferecer. Evite a mega-roubada de hospedar-se no caríssimo hotel Los Notros, cuja propaganda enganosa oferece a promessa de hospedagem “em frente à geleira”. Em frente, do outro lado da estrada e bem longe da dita cuja. Nada que se compare ao Hotel Explora, no sul do Chile, e à sua localização sem estrada pelo meio, realmente em frente à vista mais bonita do mundo. O Los Notros é uma pousada de luxo à beira da estrada, muito pequena, sem área própria ou privacidade. Mas o mesmo não se pode dizer do hotel de mesmo dono, o magnífico Los Cerros, na minúscula e adorável El Chaltén.
A vilazinha localizada a 220 kilometros de El Calafate e encravada entre enormes montanhas na fronteira com o Chile, é o centro urbano mais jovem da Argentina (1985), criado especialmente para popular o local em uma das muitas disputas fronteiriças entre nossos dois queridos vizinhos . Simples, acolhedora e muito simpática, El Chaltén está praticamente dentro do Parque Los Glaciares e o entorno é precioso, paisagem de contos de fadas; um ninho de sonho em meio a montanhas, neves, geleiras variadas, riachos e muito verde. Além da vistas maravilhosas para os picos severos e intrigantes da cadeia Fitz Roy (o próprio é um “Pão de Açúcar” patagônico de 3375 metros de altura). É também, auto-proclamada, a “Capital Nacional do Trekking”; não sem justiça, pois caminhar e escalar são mesmo as atividades principais ligadas ao turismo na região. Há cerca de dez trilhas básicas com níveis de dificuldade e duração distintos, algumas delas auto-guiadas e outras com necessidade de mapas ou guias. O Centro de Informações localizado na entrada da vila fornece boa orientação. Para os pescadores a área é também adequada no verão e simples passeios de barco oferecem paisagens inesquecíveis.
A viagem de carro de El Calafate a El Chaltén, por boa estrada recentemente asfaltada, é deslumbrante e vale parar muitas vezes para fotos. É um cenário único, solitário, magnífico, enorme. É uma das áreas mais bonitas e menos conhecidas da Patagônia Argentina e é possível hospedar-se em algumas pousadas ou hotéis-fazenda simples pelo caminho, se o fascínio com a paisagem for forte demais. Vale a pena, há estâncias oferecendo quartos e refeições por toda parte e até algumas mais sofisticadas, dispondo de atividades aquáticas e visitas com caminhadas às várias geleiras do parque nacional. A hospedagem em El Chaltén é variada: chalés simples, outros médios, pousadas semi-básicas e albergues de mochileiros. No quesito alimentação a coisa se sofistica mais e há lugares encantadores como o barzinho/lanchonete/restaurante La Senyera, de propriedade de donos espanhóis, catalão que denomina seu pequeno estabelecimento de Pulpería El Chaltén e oferece bizarrices como polvo em região bem longe do mar e pan com tomate, uma iguaria típica de Barcelona. Muito charmoso, todo em madeira rústica, boas empanadas, boa música e preços módicos.
Mas é no hotel Los Cerros que El Chaltén vislumbra o futuro e o potencial turístico da vila. Único alojamento de luxo na cidade, é uma proposta “zen”. Quartos muito confortáveis, grandes e bem decorados. Pequeno e eficiente SPA, vistas fabulosas às montanhas. Mas não há TV nos apartamentos e celular não pega por lá. Por enquanto...
Há Wi Fi no bar e dois computadores que podem ser usados pelos hóspedes. Só. O resto é paz, conforto, aconchego, exercío físico nas trilhas embasbacantes das montanhas e romance. E para completar o “repouso do guerreiro”, as iguarias fabulosas do restaurante estrelado do Los Cerros, na certa o melhor da província de Santa Cruz (na região andina). Nosso cardápio natalino, por exemplo, consistiu de 5 pratos muito bem preparados e apresentados, em amostras ousadas de camarões com berinjela defumada, truta grelhada com creme negro e nhoques na tinta de lula, peru laqueado com batatas, erva doce e alcaparras, ou ainda mesmo cervo envolto em massa folhada com purê cremoso de ervilhas, carpaccio de ameixas frescas e suco de frutas do bosque. Sobremesas leves e “buffet doce” ao final, para acompanhar as maravilhas, cada delas escoltadas por vinhos argentinos muito especiais e bem apropriados aos pratos. Desnecessário dizer que foi um dos natais mais felizes de nossas vidas. Em lugar paradisíaco e muito bem alimentados!
O Los Cerros não é nenhuma pechincha, claro, mas no Natal 2008, duas noites com café da manhã, um jantar e um almoço e a ceia fabulosa acima descrita, mais massagens, nos custou US$ 600,00 o casal. Vale o investimento. E como termo de comparação: o Los Notros, dos mesmos proprietários, apenas por estar supostamente localizado “perto” e com vista à geleira Perito Moreno, custa cerca de US$ 1000 a diária com pensão completa. Vale?
Mas como mordomia e sossego não são eternos, pena, lá fomos nós negociar os mais de 1000 quilômetros ou algo parecido que nos levaram de El Chaltén a Ushuaia. Em dois dias de belas paisagens, a Patagônia mística e desoladora em toda sua enorme amplidão. Cruzamos duas vezes a fronteira com o Chile e até balsa chilena tomamos. É tudo bem organizado, fácil, divertido. Boas e bem sinalizadas estradas, nem o trecho de terra de 120 kms foi difícil. A parada para o pernoite necessário foi em Rio Grande, uma cidade feia e sem graça à beira mar, ao sul da pior ainda Rio Gallegos. Mas não há jeito, os trajetos são longos mesmo na enorme Argentina e se o turista se encontrar por acaso em Rio Grande, a pousada Los Sauces quebra o galho e até tem restaurante decente onde se pode provar a estrela gastronômica do extremo sul chileno e argentino, a centolla; aquele caranguejão-monstro de águas profundas e geladas. Maravilhoso!
Última parada sulina: Ushuaia.
O trecho rodoviário de Rio Grande a Ushuaia é lindíssimo e dá vontade de percorrer de novo só para apreciar melhor as florestas austrais , repletas de notofagus, umas árvores lindas que não crescem no nosso quente e tropical Brasil. Mesmo no verão, há neve nos picos de montanhas que cercam Ushuaia e pode nevar a qualquer hora. O que é muito divertido: um dia acordamos com neve nos cumes e gelo por toda parte. Chuva transforma-se rapidamente em neve, bem no meio do dia. Em finais de dezembro!
A chegada a Ushuaia é emocionante, de montanhas e florestas se vai ao mar, ao famoso Canal Beagle, tão disputado entre Chile e Argentina. Suas águas cinza-chumbo, brilham prateadas quando o sol permite uma tímida passagem entre as nuvens sempre muito baixas à beira mar. A cidade é feia , mas charmosa e um tanto misteriosa, com aquele ar duvidoso e boêmio de lugares portuários; um misto de turistas, comércio, navios de todo tipo, veleiros, gente do mundo inteiro. Tudo isso encravado sobre a estreita e íngreme faixa de terra entre o Canal de Beagle e os Andes Costeiros. Com direito a floresta subindo as escarpas dos montes negros e nevados quase sempre.
O bizarro lugar é a cidade mais austral do mundo e merecida mente se auto-intula O Fim do Mundo; e lucra com isso na venda de todo o tipo de produtos “fim do mundo”. A loja do Parque Nacional Tierra Del Fuego vende ótimos souvenires do tipo. Baratos e de bom gosto. Aliás, Ushuaia oferece boas compras por ser área portuária de grande movimento internacional e zona franca livre de impostos; raridade na Argentina que fora vinhos, couros caros e doce de leite, está mais para cemitério do consumo do que paraíso.
O Parque Nacional deve ser visitado e aproveitado ao máximo pelas lindas paisagens, limpeza, boa sinalização e organização e por um singelo passeio no antigo trem que levava os prisioneiros condenados a passarem o resto dos seus dias no “fim do mundo”. Há restaurante decente e boa loja na área do parque e se o tempo permitir um piquenique, por que não? Há infra para isso e os locais adoram. Com direito a lindos coelhinhos pululando por todos os lados.
Ushuaia oferece bons hotéis em todas as categorias possíveis. Na alta estação, verão, caros. Três estrelas com apartamento acanhado sai por US$ 180 fácil e os cinco estrelas estão na faixa de 500 a 600. A maioria dos hotéis e restaurantes possui vistas fantásticas e almoços e cafés da manhã são sempre uma divertida festa para os olhos. Só a beleza da natureza já é um show. Adicionando-se o movimento do porto e o do aeroporto, onde se pode acompanhar pousos e decolagens o dia todo. Navios-chiques de cruzeiros antárticos ou não estão sempre por lá. Acompanhamos por horas a movimentação de um dos mais luxuosos do mundo, o alemão Europa, da varanda (fechada com vidro) do melhor restaurante da cidade, o Kaupé.É considerado um dos melhores da Argentina e vale mesmo a distinção. Entramos em delírio gourmet com um dos mais bem preparados pratos de centolla do universo, uma receita simples, realçando perfeitamente o sabor único deste caro e difícil crustáceo. Meu marido, optou por versão mais elaborada, envolta em crepes ao molho de açafrão e não se arrependeu. Ele foi de merluza negra e eu mergulhei no melhor bife argentino da viagem e, quiçá, que já pedi neste país,acompanhado do melhor molho cremoso com pimenta do reino em grão que já provei; antecederam panqueca de doce de leite ao conhaque, uma apoteose argentina, versão inspirada dos Crepes Suzettes franceses. Tudo em ambiente simples e agradável, onde a cozinha e não a decoração é a estrela absoluta. O serviço é cortes e eficiente, preços altos mas justos. Mas veja bem: o preço alto-Buenos Aires é US$ 100 por pessoa. Ushuaia, mesmo em altíssima temporada cobra 70.
Também prestigiamos o conhecido restaurante Chez Manu, o “darling” do guia Lonely Planet e outras referencias viageiras. Sua localização é preciosa, bem no alto das tais severas montanhas que abraçam a cidade, em meio às tais florestas fueguinas, coisa mesmo de cartão postal. Mas comida e ambiente decepcionam em relação à fama. O lugar é grande demais, frio, e a comida bastante comum para tanto elogio. Há mais casas boas em Ushuaia, mas como só ficamos por lá dois dias, fica para a próxima. Ushuaia vale mais tempo e os passeios de barco são lindo e inúmeros. Tomamos um catamarã no porto que nos levou a colônias de focas e pássaros e nos brindou com a vista mais espetacular do lugar: do mar, olhando para as montanhas àquela altura coroadas de neve, seguidas por verde da vegetação e as casinhas simples e coloridas espremidas na encosta. Pena que a Terra do Fogo seja tão longe, pois é tão interessante e oferece as possibilidades de esqui mais longas da América do Sul, de maio a novembro. Fora os passeios em trenós puxados por cães especialmente treinados para isso.
Pretendemos voltar um dia a quase todos estes lugares. A Patagônia argentina, de Neuquén até Ushuaia é deslumbrante. E isso porque ainda nem conhecemos as regiões de Esquel e El Bolsón. Não faltará oportunidade!
O mesmo entusiasmo não se aplica ao norte da Argentina, onde nunca tinha estado e para onde voamos, com escala em Buenos Aires. Mais precisamente a Salta, que é uma cidade grande e interessante onde nos hospedamos no ótimo hotel Sheraton. Com certeza, o melhor custo-benefício da viagem. Quarto grande e confortável, bom café da manhã, restaurante excelente, serviço alegre e gentil, dupla difícil de encontrar na Argentina, onde quase todos no setor parecem ser infelizes e agem como se seus empregos fossem uma indignidade.
Salta é bem movimentada e sua parte colonial atraente, principalmente a Plaza central e seus bons cafés, empanadas saltenhas famosas (as do Doña Salta são boas, mas apenas regulares se comparadas às dos cafés da praça, principalmente o localizado bem em frente ao tradicional hotel Salta; belas igrejas e museus. Não tivemos tempo de conferir se opções noturnas como a Rua Balcarce e seus famosos bares, ou as “Peñas de Salta”, espetáculos folclóricos, são mesmo dignos de nota. Entretanto, na certa, a cidade merece duas ou três noites e em longa viagem é boa parada para comprar suprimentos (a Farmacity é uma cadeia espetacular de farmácia/supermercado, sem igual no Brasil) ou alugar carros. Além de servir de base para passeios mais curtos na região. Mas não se vai a Salta como destino final e sim como porta de entrada/saída para o “Atacama” argentino. E para o “Trem das Nuvens”, infelizmente fora de operação no verão, devido às chuvas. Era trem de carga e passageiros, agora é atração turística, mas só funciona de abril a outubro. De toda maneira é bom que o viajante verifique época e horários de funcionamento antes de contar como certo o passeio. É com certeza nosso próximo objetivo quando voltarmos felizes ao norte Argentino. Que merece ser visitado mais de uma vez e com planejamento mais detalhado.
O Deserto do Atacama, no Chile, ou seja, do outro lado dos Andes, é magnífico e muitos brasileiros sabem disso. Mas existe o lado argentino, igualmente bonito e surpreendentemente diferente. Como pode ser diferente se também é deserto? É bastante distinto do lado chileno pela proximidade com os Andes e seus nevados e altíssimos picos. A água do degelo corre quase toda para o lado argentino, transformando os vales localizados entre os cânions, lá chamados de “quebradas”, em regiões férteis, verdes e apropriadas ao cultivo de frutas, por exemplo. O contraste entre as quebradas multicoloridas e o verde é estonteante e as boas estradas facilitam esta observação, entre Salta e a fronteira com a Bolívia, aonde infelizmente não chegamos. Mas chegamos à adorável vilazinha de Purmamarca e seu delicioso hotel Los Colores. Bom e barato, apenas alguns chalés em bonito estilo indígena-local, adobe imitando antigas vivendas nativas. Um charme em meio aos cânions coloridos, em especial o Siete Colores e seus tons divinos que vão do roxo ao amarelo, passando por vermelhos e até gamas de verde. Pode-se caminhar à vontade por esta maravilha natural e as oportunidades para fotos ao amanhecer ou por do sol são verdadeiramente preciosas. A minúscula e charmosa vila conta com, incrivelmente, um hotel cinco estrelas e seu igualmente estrelado restaurante, El Manantial Del Silencio. O hotel foi construído para imitar um monastério e o efeito é singular. Possui loja com artigos caros, mas de primeira da região e os tapetes e tapeçarias não podem ser mais bonitos. O bar é animado e o cardápio da casa inovador e leve, sem deixar de lado os cozidos fortes do norte argentino. Carta de vinhos reduzida e correta. No entanto, eu não me hospedaria lá devido ao grande numero de turistas velhos, feios e famílias com crianças que tiram um pouco o charme do lugar. Voltaria ao Los Colores, mais típico, mais espaçoso em termos de acomodações, no coração das quebradas, mais barato e adequado a casais.
Por toda a região genericamente conhecida como Quebrada de Humahuaca, há cidades e vilas oferecendo atrações diversas. É necessário carro e tempo para ver tudo e incluindo Salta, uma semana é o mínimo-ideal por lá. Jujuy é fora Salta a outra grande cidade do norte e também oferece possibilidades que não conferimos. Isso sem mencionar a fronteira com a Bolívia e o outro país que também apresentam atrativos turísticos. Mais uma semana. É a imensidão da América do Sul, tão linda e desconhecida por nós brasileiros...
Ao sul de Salta, via Cachi, encontram-se os vales do rio Calchaquí e suas vinícolas cuja estrela principal é a uva torrontés, cepa espanhola que dá origem ao extraordinário vinho branco de mesmo nome. Plantada por toda a gigantesca área viticultora da Argentina, é no tal Vale, alto e frio que os vinhos saem mais espetaculares ainda. A viagem de Salta a Cachi envolve um longo percurso por sinuosa e estreita estrada de terra morro acima, atingindo lugares a quase 2500 metros acima do mar e, conseqüentemente, vistas lindas de montanhas e vulcões nevados o ano todo, passando pelo curioso Parque Nacional Los Cardones, salpicado pelos cactos gigantes de mesmo nome. Paisagens lunares, florestas espessa, chorões debruçados sobre rios e riachos, há de tudo e fazem o turista esquecer as agruras da estrada precária. Além da paisagem incrível, Cachi é um vilarejo adorável de cerca de 2500 criaturas e arquitetura colonial bem preservada em suas brancas casas de adobe caiado e ruas de paralelepípedo. Oferece alguns bares, restaurantes e pousadas e uma praça principal das mais atraentes; como também é atraente o hotel La Merced Del Alto, fora da cidade, plantado em morro de paisagem bonita e florida.
Administrado pelo mesmo grupo do El Manantial Del Silencio, em Purmamarca, e construído no mesmo estilo monastério-chique, foi nossa opção para a virada de 2008 a 2009. Boa ceia, bons preços, quarto espaçoso e confortável, boa música ao vivo e belos vinhos e espumantes. No dia seguinte, seguimos caminho por uma estrada de terra ainda mais longa e tortuosa, com destino a Cafayate, a capital do vinho do norte da Argentina. Apesar de difícil, o caminho passa por formações geológicas estilo lunar, cânions, montanhas e vales ímpares, completamente diferentes dos visitados anteriormente. Imperdíveis e muito melhor aproveitados se tivéssemos nos hospedado na Finca Colomé, genial estância e bodega do grupo suíço, Hess. O lugar é paradisíaco, idem para os vinhos da casa e teria oferecido alívio da estrada. Fica para a próxima, com certeza!
Cafayate é a “metrópole” do vale Calchaquí, com quase 12000 habitantes. É uma cidade simpática, hospitaleira e oferece de tudo um pouco, além de estar localizada entre as grandes vinícolas do pedaço, como a Etchart e outras hoje pertencentes a grandes grupos internacionais. A maioria dispõe de visitas guiadas e degustações. Nada que se compare às de Mendoza, mas valem pelos vinhos torrontés e técnicas de cultivo um tanto diferentes das operações mais ao sul do país, devido à localização das parreiras a 1700 metros de altitude e seu especial micro-clima resultante. Hospedamos-nos numa delas, a El Esteco, um lugar lindo operado pela cadeia chique Starwood, aquela mesma do Sheraton. Chama-se Pátios de Cafayate, aproveitando uma casa antiga de fazenda, um cenário divino, instalações de primeira e até SPA com produtos de uvas, cremes faciais e corporais confeccionados com uvas tipo malbec, banhos torrontés, massagens com polpa da fruta e outros que tais. Tudo bem instalado, bonito, confortável e caro. Pena que a comida do hotel e o serviço não acompanhem o resto. Entretanto, apesar de existirem outras opções top na região, o Pátios de Cafayate e seus US$ 450 por suíte ampla e banheiro com jacuzzi dupla e café da manhã regular ainda é recomendável. A visita grátis para os hóspedes da vizinha Bodega El Esteco é interessante, apesar de que, como na imensa maioria das vinícolas argentinas, mesmo pagando, o visitante só prova vinhos das linhas mais baratas das casas. Ao contrário do Chile, onde impera a simpatia, a generosidade, o bom serviço e a estratégia de marketing inteligente de servir vinhos de primeira aos turistas, na Argentina impera a “mentalidade Gérson”, estúpida e antiquada. Pena, pois os produtos deste país que é o quinto maior produtor de vinhos do globo são tão bons quanto os do Chile, mas bem mal divulgados. Reflexo da atitude geral de um povo que está custando muito a baixar do salto...
Apesar de recomendados pelo nosso elegante hotel, com bilhetinho da gerente ao proprietário, não degustamos nada, nem pagando, na vinícola-boutique Yacochuya, localizada em lugar estonteante fora da cidade. Sei de fonte super confiável que os vinhos são ótimos e aqui em São Paulo vendidos pela distribuidora Grand Cru, nos Jardins. Mesmo assim, recebidos de má vontade pelo esnobe dono, o senhor Alberto Etchart, nada conseguimos. Parece que em certos dias da semana, aos sábados, se não me engano, há almoço pago com os tais vinhos especiais, mas não pudemos ter a honra...
Ainda sobre o tema, nas “bodegas” brasileiras, na região gaúcha de Bento Gonçalves, as degustações e visitas são totalmente grátis, a simpatia impera e apesar da qualidade dos vinhos estar ainda longe dos argentinos, as visitas são mais prazerosas e divertidas.
Em Cafayate, além de passagem rápida por padaria descolada em frente ao posto de gasolina principal, almoçamos muito bem no simples Terruño, na praça central. Apesar de empanadas um tanto secas, as massas e seus inventivos molhos estão entre as melhores do universo, sem exagero, e as sobremesas são bem interessantes. Bom e barato.
A Quebrada de Cafayate, nos arredores da cidade é monumental e de fácil visitação. Bela estrada asfaltada e sinalização perfeita, muito que ver e fotos impressionantes.
E, deste ponto, deveríamos ter voltado a Salta, tomado um avião até Mendoza, nosso objetivo final e evitados os vários dias de percursos estúpidos por regiões menos interessantes da Argentina, localidades “zero-interesse” tipo Tafí Del Valle, La Rioja; lugares sem nada de interessante para ver ou conhecer e trajetos rodoviários longos e cansativos. No verão, lugares fumegantes, paisagens desérticas como San Juan e nada de mais interessante a não ser o santuário da Difunta Correa, santa que não é reconhecida pela Igreja Católica, mas desperta paixões nos argentinos mais simples e crédulos. O lugar é pavorosamente feio, mas fascina pela história da Difunta, pela fé fortíssima das pessoas, pelas oferendas, pelo caótico, pelo genuíno e não-turístico propósito das instalações.
Entre Mendoza e Salta pode-se visitar Tucumã e Córdoba, cidades grandes que devem ser interessantes, mas para isso é necessário muito tempo e disposição.
E à famosa Mendoza, templo do vinho, agora na moda, o que a revista americana Newsweek recentemente chamou de “Napa Sul Americano”, referindo-se ao vale Napa, na Califórnia, região dos melhores vinhos norte americanos. E há muitos americanos por lá, seguindo as dicas da revista.
Mendoza é uma cidade bastante arborizada e gostosa de percorrer a pé,de 120.000 habitantes, numa planície seca ao pé dos Andes na região centro oeste da Argentina. Com as águas do degelo de gigantes como o monte Aconcágua, o deserto fica fértil e a ausência de chuvas fortes faz com que o lugar seja perfeito ao cultivo de uvas. E que uvas! A estrela, a malbec, faz as honras da casa e os vinhos são mesmo estupendos. Mas, apesar de estar na moda em publicações diversas através do mundo e várias no Brasil, Mendoza só interessa aos amantes do vinho e da gastronomia. E atenção aos brasileiros seduzidos pelas reportagens coloridas de nossas revistas de turismo pouco críticas: não há NADA a comprar que não seja vinho ou azeite de oliva, os shoppings são fracos, os filmes dos cinemas dublados em espanhol e opções limitadas de esportes radicais e esqui no inverno, longe, bem longe da cidade (cerca de 200 quilômetros). Não existem museu, shows, teatros e igrejas interessantes e vida noturna se resume, de novo, a vinhos e comida. Portanto, pense bem antes de enfrentar São Paulo-Buenos Aires, trocar de aeroporto e voar BA-Mendoza para se decepcionar.
Contudo, se beber e comer bem é seu objetivo único e principal, Mendoza pode ser interessante; mas não barato e vejamos por que. Em Buenos Aires come-se e bebe-se muito bem além dos atrativos óbvios de uma das maiores cidades do mundo, mas hospeda-se e faz-se o resto com relativo conforto e economia. Em Mendoza não. Quem quer experiência realmente divertida na área, tem que gastar. Hospedagem legal mesmo é só nos hotéis que começam em US$ 400 por dia e organizam visitas às vinícolas Premium que vão servir ao freguês, pagando claro, os vinhos realmente legais dos estabelecimentos. Alguns deles oferecem atraentes almoços junto a visitas e degustações: por cerca de US$80 por pessoa. Fim da primavera e durante o verão apresentam natureza verde e pujante e a divertida, mais cara, época da colheita. Inverno seca tudo, mas tem neve para quem gosta de esquiar (esporte não-barato). Talvez a época mais em conta seja o outono e sua lindas folhagem amarela e vermelha.
Como não sabíamos de tais truques, nos hospedamos no auge do verão no correto e simples Hotel Argentino, na praça principal, bem ao lado do famoso Park Hyatt. Por duas noites nos esprememos em quarto e banheiro minúsculos, com janela dando para uma parede, ar condicionado ruim no alto verão que é alto mesmo no lugar, por US$ 130 com café da manhã fraco. Outras 3 noites foram desperdiçadas em opção mais cara e pior, a supostamente descolada Pousada Tapiz, dentro da vinícola de mesmo nome. Indicada pelas 2 principais revistas de turismo brasileiras, o local é um engodo. Longe de tudo e de todos, no meio de área rural vinícola e olivícola que nem sequer oportunidades de belas caminhadas oferece, sem carro o visitante está frito. Gastamos fortunas de táxi para visitar outras vinícolas, todas espalhadas pelo gigantesco vale. Os quartos da Tapiz são regulares, sem janelas, apenas com portas de vidro que dão todas para um jardim interno, sem a menor privacidade. Aceitam crianças em pousada-chique de apenas 7 quartos e há bebes uivando na degustação grátis para hóspedes dos vinhos mais baratos da casa. Fuja! E fuja também do seu restaurante Terruño, um dos mais famosos do contexto, mas francamente péssimo (cordeiro fedendo a carneiro vivo e velho, entre outros percalços). Toda esta tortura por diária de US$ 170 (bom café da manhã).
Portanto, aqui vai minha idéia do que eu faria em próxima e improvável visita a Mendoza:
1- Estadia no Park Hyatt de no máximo 3 noites (ideal: chegar o mais cedo possível à cidade e voltar no vôo mais tarde possível a Buenos Aires). Garanto que em hotel deste pedigree, o concierge agenda as visitas às vinícolas em condições mais favoráveis aos hóspedes.
2- Passeio de dia inteiro à região longínqua mas bela do Parque Nacional Aconcagua, para ver o monte mais alto das Américas e percorrer bonitos vales. Nem sonhe em hospedar-se em lugares como Uspallata e Los Penitentes. Hotéis e pousadas são medonhos, não confie nas fotos! Alugue carro ou contrate motorista, vá bem cedinho e volte ao cair da tarde.
3- Almoço ou jantar no Azafrán e no Grill do Park Hyatt. O primeiro é um restaurante-loja genial, bons preços, entradas criativas,carnes, massas, sobremesas e vinhos espetaculares, a apenas algumas quadras da praça principal. O segundo, uma das churrascarias melhores do planeta, onde as carnes são as estrelas principais, claro, mas saladas e outras opções não ficam atrás. Serviço superior ao padrão da cidade e possibilidade de tomar vinhos de alta linha em copo, sem a obrigação de comprar a garrafa. Preços razoáveis e satisfação garantida.
4- Caminhada de umas duas ou três horas pelas ruas principais para sentir o clima da cidade. É suficiente.
5- Almoço na vinícola mais espetacular, simpática, honesta e bem organizada da Argentina: a Família Zuccardi.
Os almoços baratos e magníficos, apresentam-se em duas versões: típico ou degustação. O primeiro consiste em fabulosas empanadas, churrasco e sobremesa. Com três vinhos da casa muito bons. O segundo, um pouco mais caro, mas valendo cada centavo, é um banquete de seis pratos e seis vinhos maravilhosos. Em ousadas preparações variando de salada de lentilhas com laranja e cebola sobre biscoito de chocolate; bastões de truta e aliche empanados com espuma de coco e gaspacho; javali com molho de azeitonas e após outras duas sobremesas pequenas e leves, ravióli de abacaxi caramelizado e recheado de pudim de gengibre e damasco. Tudo perfeito, a US$ 60 por pessoa, com direito à visita das mais explicativas e completa à área de produção e engarrafamento da empresa.
E a loja é o único do lugar de toda a região de Mendoza em que se tem vontade de comprar algo!
Os azeites da Família Zuccardi estão no mesmo nível dos melhores europeus e a variedade Arauco, para quem gosta dos forte e intensos é fantástica.
Almoços podem ser em grandes e bem decorados salões tipo casa de fazenda e aconchegantes lareiras, em espaços de vidro, ensolarados e cheios de verde, ou embaixo das parreiras, ao ar livre. O serviço é alegre, bem humorado, informativo, paciente e eficiente.
A casa também oferece cursos de cozinha rápidos com degustações de vinhos, passeios de balão e passeios em carros antigos.
Verificar o site antes de ir a Mendoza é bem recomendável e ir a Mendoza sem visitar a Família Zuccardi é como ir a Roma e não ver o Papa e muito menos o Vaticano. Vá enquanto ainda pertence a uma família argentina visionária e bem intencionada.
E se o turista tiver que escolher entre sul e norte da Argentina? Não puder fazer tudo na mesma viagem?
Eu prefiro o sul, apesar do clima difícil e dos preços bem mais altos. Mas norte e centro devem ser visitados pelo menos umas duas vezes. De qualquer maneira, nosso vizinho mais próximo e conflitado é tão grande e interessante, tão diferente do nosso tropical Brasil, que merece mais atenção e tempo. Sempre e em qualquer época do ano.
São Paulo, 1 de fevereiro de 2009.
Para meu quase-marido, Urs Jaeger, o melhor companheiro de viagem e motorista do mundo!!!
Obrigada pela paciência e bom humor...

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