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domingo, 16 de janeiro de 2011

NEW ORLEANS, SAVANNAH E KEY WEST

TRES LUGARES QUE ESCAPARAM DA FALSA MORALIDADE RELIGIOSA DO SUL DOS EUA – encarnando o espírito livre, a paixão e a alegria de viver dos pioneiros do “sonho americano”

Dois lugares nos EUA para quem quiser se aventurar fora do eixo brazuca Orlando-Miami e Nova York; duas cidades portuárias, muita história, misticismo e música.
New Orleans, a maior, muitas vezes atingida por intensos furacões, o ultimo deles devastando quase 80% da cidade (o nefasto Katrina). Nem por isso seus habitantes se deixaram abater e as áreas de mais interesse para os turistas estão preservadas e reconstruídas. Por sorte, estão quase todas em regiões mais altas da cidade e não sofreram a devastação do resto. O bairro Frances, French Quarter, continua bonito e divertido e as belíssimas casas antigas do Garden District não perderam o charme e a imponência.
New Orleans é lugar para amantes do jazz, blues, country; cidade para quem se interessa pela história movimentada do sul dos EUA, da colonização francesa, das investidas espanholas. Para os amantes da gastronomia é um paraíso e a arquitetura, encantadora. Para os curiosos ou aficionados do candomblé e voodoo haitiano. E para os baladeiros, que encontram na louquíssima Bourbon Street um paraíso de festas, bares, boates e “inferninhos” oferecendo espetáculos pornográficos com fotos bastante explícitas nas fachadas. Não é local para crianças, principalmente à noite e o melhor mesmo é não levá-las a New Orleans; é “praia” de adultos, mais adulta ainda do que a “devassa” Las Vegas. Sim, porque esta ultima há muito tempo vem oferenco atrações pasteurizadas para famílias. New Orleans não; é uma cidade de verdade, nada de Disney, nada de castelos falsos ou torres Eiffel de mentira. Compras limitam-se a lindos antiquários e galerias de arte e para quem gosta, bonecas de voodoo para eventuais “despachos”; vem completas, com alfinetes e tudo! As ruas são um tanto esburacadas para padrões americanos, as calçadas ainda piores, barulho e movimento por toda parte. Há edifícios preservados como eram há mais de 200 anos, sem um mínimo de pintura para que realmente transmitam a idéia de lugar antigo, caso do restaurante Napoleon.
Conheço bem os EUA, país que visito regularmente há 44 anos. New Orleans é, ainda, um dos poucos destinos turísticos “não-pasteurizados” de lá. A comida é forte e apimentada (lembra a nossa baiana), a população negra é a mais simpática do Hemisfério Norte, a bagunça é bem vinda, sujeira e descontração por toda parte. Há mendigos e artistas de rua, o cais do porto é de certo modo embelezado para o benefício dos turistas, mas o aspecto industrial e comercial da área são bastante evidentes. Shows de jazz baratíssimos por toda parte, principalmente no bairro Faubourg Marigny. Mas não espere teatros, bares ou casas de show luxuosas. Tudo muito simples e sem conforto. O importante é a música, a alegria, a balada. Imperdíveis os espetáculos do Snug Harbor, a 15 dólares por cabeça e os de 5 dólares do agitado e baladeiro Spotted Cat. Show animados, intimistas, perfeitos no primeiro; Charmaine Nevile, cantora super famosa no país e internacionalmente, se apresenta no Snug Harbor todas as segunda feiras: quando não está em turnês mundiais.
Os chegados ao jazz mais tradicional não ficam desapontados e podem ouvi-lo nos bares chiques e bem comportados de hotéis bacanas como o Montenapoleone (este lugar conta até com bar giratório, um carroseel de verdade, daqueles de parquinho de diversão).
Passear de bonde pela cidade é muito divertido, principalmente porque não é coisa só para turistas, a população ainda usa os velhos veículos e as “figuras” dão uma boa amostra do mix eclético da região.
A comida francesa, claro, está por toda parte, mas a “creole”, invenção de New Orleans é a verdadeira estrela: ostras, gumbo e jambalaya. As ostras, não só cruas como as conhecemos, mas apresentadas nas mais loucas versões: assadas, fritas, empanadas e frequentemnet estrelas principais de bizarros e deliciosos sanduíches “poh-boys”. Dá para imaginar sanduíche de ostra? Uma delícia! Ostras grelhadas, banhadas em molho picante? Ótimas! Mesmo para quem não é muito fã destes crustáceos, vale provar pois as receitas são bastante diferentes. Em lugares simples e tradicionais como o Felix, há filas enormes para degustar tais invenções. O gumbo é uma sopa grossa parecida com moqueca baiana e o jambalaya está mais para cuscuz paulista e moqueca capixaba. As raízes negras de boa parte da população brilham na musica e na culinária. As francesas e espanholas, na arquitetura e numa espécie de dialeto local que mistura as duas linguas latinas.
Para quem quiser comer bem, sem grandes aventuras, os franceses e tradicionais Antoine’s e Galatoire’s são “seguros”. O magnífico Commander’s Palace, localizado no maravilhoso bairro residencial, Garden District e instalado em genuína mansão tipo “ E O Vento Levou”, encanta pela tradição do ambiente, pelo brunch dominical ao som do mais tradicional jazz de New Orleans e pelas receitas super diferentes de seu chef, que corre todos os riscos do mundo ao misturar frutos do mar com carne de vaca e sopas de tartaruga. As sobremesas são um terremoto para qualquer dieta e o bolo de morango, irresistível.Os amantes de frutos do mar vão adorar o G.W. Fins pela variedade do cardápio, o ambiente desolado e para lugar chique e romântico, o Stella! não tem rival. Os aventureiros devem ir ao Felix acima citado, ao Napoleon, ao Acme: baratos e genuinamente creole. Para uma experiência fashion de comida local super moderna o Cochon surpreende com sua ousadia em receitas que vão de ostras grelhadas a saladas de rúcula com orelhas de porco. Lotados, divertidos, barulhentos e um tanto sujos, dão a cor local a qualquer programa em New Orleans. Se bater a vontade irresistível de comer pratos italianos, o Tony’s, em subúrbio residencial da cidade, faz as honras. E nem precisa ir a estas casas aqui recomendadas, pois não há como comer mal na cidade; culinária é um ponto de honra para os nativos e é difícil errar.
Fuja dos passeios bem sem graça aos cemitérios e outros mostrando os restos da devastação do Katrina. Quase 6 anos depois, a cidade está bastante recuperada e tudo que o turista vê são algumas casas abandonadas. Dispense. Bem como evite os tediosos “cruzeiros” pelo Mississipi. Nada há o que ver nas regiões altamente industrializadas da cidade e o rio é bem feioso. Fique em terra firme e aproveite a festa constante que é New Orleans. Afinal, é o único Carnaval (Mardi Gras) que pode remotamente competir com o brasileiro. Isso já diz tudo...
Um dia lá voltaremos para o sensacional Festival de Jazz que acontece todos os anos entre abril e maio e reúne grandes nomes em parque bonito, a céu aberto.
Assim como voltaremos, espero, a uma das mais lindas cidades do mundo: Savannah, Geórgia. Cenário de filmes famosos como Forrest Gump e Midnight in the Garden of Good and Evil, um deleite de parques e praças, enormes carvalhos decorados por uma parasita curiosa da família das bromélias, chamada Spanish moss em inglês. Faz com que as gigantescas e centenárias árvores pareçam eternamente decoradas por pingentes delicados balançando ao vento, dando ao lugar um ar de mistério e encantamento.
Savannah é a criação do General Oglethorpe, um inglês que lá chegou nos idos de 1733 e decidiu criar no Novo Mundo, na América de Colombo, uma Londres revisitada. Como esta última, Savannah é beira-rio e o quarto porto mais importante dos Estados Unidos. Área muito bem preservada, mistura saudável de bairro turístico e porto concorrido. Mas com cara de coisa real, velhos armazéns renovados para lojas, bares e restaurantes, sem nada de forçado; respeitando parâmetros tradicionais, deixando os edifício que abrigaram importantes depósitos de algodão envelhecerem com dignidade, sem muitas intervenções modernosas e cafonas nas fachadas. Paralelepípedos e pedras cheias de musgo dão o tom e o resultado é um lugar alegre, animado, que a própria população de Savannah freqüenta, o famoso River Walk. Não foi deixado à mercê de ônibus de excursão e seus horrendos grupos. Pode-se comer bastante bem no Chart House, no Kessler e no Vic’s On the River sem ter a sensação de “armadilhas para forasteiros”. Trilogia BBB: bons, bonitos e (razoavelmente) baratos. Fazer um passeio de bondinho Old Trolley ou similares é uma boa maneira de se ter uma idéia do Historic Distric, a parte antiga e interessante que deslumbra os visitantes.
Esta “Londres” pequena e adorável, aconchegante mesmo, exibe uma arquitetura semelhante à capital inglesa, misturada a verões muito quentes, música, história de fantasmas e assombrações e vegetação lindíssima. Suas ruas fáceis e agradáveis de caminhar, oferecem ótimos museus, igrejas protestantes das mais bonitas que já conheci e visitas incríveis às mansões dos séculos 18 e 19, cuidadosamente restauradas. Cada uma delas e seu mobiliário, conta uma parte da história dos EUA, um olhar sulista; relaxado e gentil em sua maneira muito charmosa de ser. E nada ou ninguém narram tal história como o filme de Clint Eastwood, Midnight in The Garden of Good and Evil.
É absolutamente necessário ver o filme antes, durante ou depois de uma visita à Savannah. O filme É a cidade. Sua encarnação mais perfeita, seus mistérios nunca resolvidos, o misticismo de conversas embaladas por martinis nos bizarros cemitérios da cidade. Clint Eastwood é um gênio e um gênio extremamente sensível ao captar a magia e o que faz Savannah tão especial, o mix super bem sucedido de natureza, história, arquitetura, superstição, porto e cultura. Lugar imperdível.
Lá voltarei para também conferir a culinária da região, que não tivemos tempo de realmente apreciar. A famosa chef Paula Deen lá brilha com The Lady and Sons. Não é coisa para gente fresca: muita fritura e comida pesada, deliciosa, segundo os simpáticos e falantes moradores desta que é considerada uma das 10 mais importantes Cidades Históricas dos EUA.
Em terceiro lugar, em ordem de importância e tamanho ( mas não no meu coração. Minha favorita é Savannah) vem Key West, na Florida. Lugar curioso, pois o trajeto de carro, de Miami até lá, é ainda mais interessante do que a pequena cidade em si. Lugar também importante em matéria de história e geografia, capital gay dos EUA (disputa tal honraria com São Francisco) e um dos lugares favoritos do grande escritor americano, Ernest Hemingway.
É o ponto mais ao sul dos EUA, o Chuí americano. Uma ilhota em meio a um mar muito azul e casinhas de madeira. Paraíso de pescadores e amantes da natureza; tranqüila fora da temporada, fervendo na dita cuja. E isso é uma das coisas que não gosto em Key West: hordas de turistas bêbados, feios e gordos, enchendo a cara noite e dia nos bares cafonas da cidade. Também não gosto do excesso de tinta que descaracterizou as casas de pescadores e boêmios de outros tempos. Faz lembrar a cidade mais antiga dos Estados Unidos, Saint Augustine, também na Flórida. Se você não souber que está em local de tal idade, nunca desconfiará. É uma cópia das “cidades” fajutas do Epcot Center. E, infelizmente, Key West sofre tal influencia. Menos, mas não se tem a sensação gostosa de lugares “de verdade” que se experimenta em New Orleans e Savannah.
Mesmo assim, vá à Key West pelo trajeto espetacular da estrada e múltiplas pontes engenhosamente construídas sobre o mar e pelo por do sol indescritivelmente fabuloso. Visto do restaurante Bistro, no hotel Westin. Sem a gente pavorosa, sem os cachaceiros. Só com bom vinho, fajitas de lagosta, boa música, shows de rua dos mais divertidos e loucos, bom serviço. Afinal, se está quase em Cuba; dizem, visível de Key West em dias muito claros. Sem o Fidel chato e a tristeza do povo cubano; com a infra poderosa dos norte americanos e muito conforto. Cheers!

Para Gisela, minha irmã de Miami.

São Paulo, 15 de janeiro de 2011.

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