AVENTURA
BOLIVIANA
Com
2 escalas em San Pedro de Atacama
Acredite
se quiser, a Bolívia tem o segundo lugar mais bonito do mundo. O primeiro é o
Parque Nacional Torres Del Paine, na Patagônia chilena. Isso vai de gosto, é
claro. Para mim o Salar de Uyuni e região são top de linha em minha longa
carreira de viajante incessante, sempre visitando lugares diferentes, a procura
de belezas que amenizem a loucura de nossas vidas em detestáveis cidades como
São Paulo.
Escolhi,
erradamente, o hotel Tierra Atacama como ponto de partida e aclimatação às
altitudes tremendas da viajem entre o Chile e a Bolívia. Preferi partir do
Chile e fazer um trajeto mais lento, ingenuamente esperando contratar agencia
chilena para tal programa de índio. Ledo engano...
Não me
arrependo de ter ido sentido Uyuni, ida e volta a San Pedro, pois vi coisas
lindas e revi algumas mais. Fora que, viajar ao Chile é sempre agradável e
enfrentar vários voos e trajetos extras num pais infernalmente pobre e atrasado
como a Bolívia, não me parecia a principio muito tentador.
Fiquei
três dias em San Pedro, que já conhecia pela magnífica estadia de oito dias no
hotel Explora, em 2002. Desta vez, escolhi o Tierra Atacama para variar um
pouco o “cardápio”. Erro imperdoável. Apesar de lindo, o hotel tem péssimo
serviço, comida duvidosa e pretenciosa, guias fracos, é quase tão caro quanto e
Explora, mas é copia mal feita. Fora o fato de pertencer à empresa que domina
Portillo, a velha e igualmente pretenciosa, estação de esqui chilena. Isso faz
com que o poderoso marketing da companhia tente, com sucesso, atrair
brasileiros que vão para ver e ser vistos. Odiosas criaturas, sempre em barulhentos
grupos, que nem sequer sabem onde estão. Fuja!
Apesar
disso, fugi do mico curtindo San Pedro que continua doida e cheia de cães
dormindo pelas ruas de terra. A vilazinha segue pacata, mas com lojas
interessantes, mercado de artesanato ,museu renovado, igrejas, mais hotéis e
restaurantes. La Casona oferece piscos e empanadas inesquecíveis e o moderno Blanco,
mega-ceviches. Visitando os Gêiseres Del Tatio – sensacionais – e caminhando pela
desafiadora trilha Guatin & Gatchi
Após
três noites por ali, parti para mais três na Bolívia; eu, e dois bolivianos da
agencia Cordillera Traveller (boliviana, que eu acreditava ser chilena – a melhor
recomendada por minha “Bíblia viageira”, o guia Bolívia Lonely Planet), um guia
e outro motorista. Lá fomos nós cruzando a fronteira, a uma hora de San Pedro e
a “apenas” 5000 metros de altitude! E aí começa o deslumbramento, pois o lado
boliviano é muito, mas muito mais bonito do que o chileno e apesar da falta
total de infra (não há sequer uma estrada asfaltada em 4 dias de viagem) e bom
senso, vale conhecer. Vale o sacrifício das altitudes mata-cavalo e o pó
constante em velho Toyota Land Cruiser sem ar condicionado.
As
primeiras paradas são um verdadeiro festival de lagoas multicoloridas e vulcões
furiosos. A Blanca inicia a surpresa, a Verde parece o mar e a Colorada é como
uma lagoa de sangue, uma coisa de sonho, cheia de flamingos. E aí se vai parando
em desertos cheios de esculturas naturais, pedras em formatos bizarros, tudo
atordoantemente bonito. Por ser região riquíssima nos mais diversos minérios,
as montanhas são coloridas e as misturas de tons e superfícies e estonteante. Como também coloridos são os gêiseres que
espumam toda sua fúria e calor em local que mais parece um cenário de Marte. Águas
fervendo em tons de rosa, vermelho, azul, roxo, verde.
Isso sem falar sobre as delicadas vicunhas que pululam por toda parte,
acompanhadas de raposas e coelhos. Pássaros exóticos fazem aparições
constantes, além das sempre presentes lhamas andinas. A primeira noite, cansada
de tanta beleza e altitude, dormimos placidamente no Hotel Del Desierto, um
lugar simples, mas com calefação e cama quentinha. O chuveiro tem dois pingos
de agua, mas dormir em altitude de 4 800 metros não é para os fracos de
espirito e banho se torna secundário. A comida é razoável, caseira e saudável,
destaque para a sopa de quinua, prato que comi varias vezes durante a viagem.
Esta
primeira noite o mal de altitude me pegou e eu tomei um remédio que o guia me
deu e cortou o mal pela raiz. Eu já o tinha tomado quando escalei o
Kilimanjaro, em 1999, mas me esqueci totalmente dele, pois em viagem ao Peru,
em 2008, não precisei tomar e enfrentei bem as altas montanhas incas. Aconselho
a qualquer pessoa, independente de idade ou estado físico, a falar com um
medico antes de ir a Bolívia e, se possível, tomar o medicamento (o mate de
coca ajuda, mas é apenas paliativo com gosto de pano velho. Quase todo mundo passa
bem mal e isso, claro, estraga uma viagem que de tão deslumbrante, merece ser aproveitada ao máximo.
No dia
seguinte, mais lagoas bonitas e paisagens especiais. Já nos aproximando do
primeiro salar e tendo a impressão de se estar tendo miragens de montanhas que
parecem flutuar na branca imensidão das toneladas de sal destas lagoas secas
que são uma maravilha indescritível.
Dormimos em San Pedro de Quemez, um vilarejo micro, uma verdadeira viajem numa
maquina do tempo; transportando-nos à época dos incas e como eles viviam. As casas são
idênticas às das ruinas de Machu Pichu, mas com telhados de palha como os incas
faziam e gente morando e vivendo nos tempos atuais. É como estar num filme, sem
ser o ator. Só observando uma inacreditável volta ao passado. Da mesma maneira
que os incas faziam cercados e plantações, empilhando pedras sem liga de
cimento ou massa. Em frente ao apropriadamente chamado Hotel de Piedra, um
curral de lhamas, que vimos partir ao nascer da aurora para pastarem ali perto.
Lindas e silenciosas, com fitinhas de lã coloridas nas orelhas e pastoreadas
como sempre foram deste tempos imemoriais.
Sentindo-me
melhor, em altitude mais baixinha, a “apenas” 3600 metros, subi um morro ali
perto, onde o antigo culto à mãe-terra, a Pacha Mama, se mistura a ritos
católicos, como os 14 passos do calvário de Jesus Cristo. Nos antigos e
redondos lugares rodeados de muros de pedras e construídos pelos incas; altares
de sacríficos humanos ou não, a população local cultua Jesus e a Pacha Mama ao
mesmo tempo, com oratórios montanha acima. Em cada curva do morro um passo de
Cristo; casinha sem santo, mas com cruz no topo. Até chegar ao cume de um lugar
de vista maravilhosa da ponta sul do Salar de Uyuni, o segundo lugar mais
bonito do mundo. Sem maquina do tempo eu viajei por usos e costumes de uma
civilização admirável que os espanhóis destruíram. Mas não completamente, pois
em San Pedro de Quemez o modo de vida inca sobrevive. Com torre de celular e
tudo!
No
terceiro dia, o melhor da festa: o Salar de Uyuni e sua deslumbrante imensidão
branca. É como se eu estivesse em uma planície russa no inverno, inteiramente nevada.
Mas Uyuni fica na Bolívia, tem 12 000 quilômetros quadrados e é inteiramente composto
de sal. Lindo, branco, brilhante, provocando as miragens mais incríveis e a
sensação de se estar fora da terra, em outro planeta sabe Deus qual. Tudo
perfeitamente cercado de vulcões e múmias. O vulcão Tunupa, com cratera exposta
em tons de azul e laranja, abriga varias cavernas recheadas de múmias. Uma
delas pode ser visitada e é uma experiência macabramente interessante. No meio
do salar, uma ilha! Claro, pois o salar há milhares ou milhões de anos, foi uma
lagoa gigante. Agora é toda sal, mas a Isla Del Pescado está firme e forte lá,
esplendorosa com suas pedras, formações de coral petrificado e os cactos mais
lindos do mundo. Cheios de flores vermelhas ou amarelas, trilhas desafiadoras
pedra acima e vistas ainda mais surreais de Uyuni.
Coroando
o terceiro dia, que é o mais bonito devido ao salar, uma noite das mais
confortáveis no hotel Luna Salada, feito
inteiramente de sal. Já estive no Ice Hotel, na Suécia, todo feito em gelo.
Belo, mas desconfortável. O de sal é muito aconchegante, a comida abençoadamente
boa, tudo quentinho e confortável com calefação funcionando e banho decente.
Até loja com artigos compráveis oferece o hotel. A noite de lua cheia e o por
do sol no salar são um show. O sol se põe na imensidão branca e forma um leque
de luz em meio aos vulcões. Alguns deles ficam lilases, alguns ocre. Depois
disso a lua brilha nos cristais de sal e chorei de emoção. Nunca vi nada tão
bonito...
No
quarto dia, passada pela feia cidade de Uyuni e volta a San Pedro. Pelo longo
caminho, formações rochosas chamadas Cidade Perdida distraem da tortura do pó e
caminhões de mineradoras trafegando por ali constantemente. O almoço foi um
pavor de costeleta de lhama, uma carne dura e sem graça, com as pobreza
lhaminhas perto dali pastando. De um bicho tão lindo, só a lã!
Pensei
que voltaria ao Chile, a San Pedro, em triunfo, ao hotel que apesar de pentelho-chique
é bem confortável. Mas não. Fiquei triste ao deixar a Bolívia e as maravilhas
desta terra de gente simpática e sofrida. Gostaria de voltar e rever La Paz,
conhecer Potosí , ver o Salar de Uyuni coberto de água espelhando as nuvens no
verão e pernoitar na Isla Del Sol no meio do lago Titicaca. Quem sabe um dia...
Agora o
lado prático:
1 – contrate
serviços exclusivos, caros, mas só para você e “sua turma”. Os longos e
cansativos percursos não permitem contato com estranhos e carros apertados ( a
não ser que você seja um mochileiro/a convicto). Certifique-se de que os mesmos tem
ar condicionado funcionando. Ou invista ainda
mais dólares nas Travesías Explora que fazem tais trajetos com a marca de competência
de seus hotéis.
2 – leve
“alimentos alternativos” como chocolates, biscoitos e barras de cereal. O que
os guias levam é bem fraco....
3 –
espirito esportivo e boa vontade com a “realidade boliviana” são fundamentais.
Além de politicamente correto, o viajante aproveita esta região maravilhosa e
não se estressa. Tenha a atitude de um norueguês no Brasil, por exemplo...
Santiago, 19 de novembro de 2013