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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A MELHOR BATATA RÖSTI DO MUNDO – SAAS FEE (SUÍÇA)

Apesar de não esquiar, sempre fui fascinada por regiões que se prestam a tal esporte e outros mais relacionados à neve. A natureza é tão linda neste mundo silencioso, coberto por um manto branco natural, ora parecendo um cobertor gigantesco e brilhante, ora açúcar de confeiteiro polvilhando as arvores e telhados. A neve, ao contrário da chuva, não faz barulho; não se sabe que está acontecendo a não ser que se olhe pela janela. Uma linda surpresa gelada que enfeita até os lugares mais sem graça; construções sem nada de especial parecem receber uma “pintura” natural que esconde defeitos e imperfeições. Vegetação sem atrativos específicos ganha uma cobertura de mistério e charme; um “upgrade” que só a natureza pode proporcionar. Até as pessoas, disfarçadas ou não de esportistas invernais parecem mais elegantes, suas roupas coloridas contrastando com o branco do cenário e os quilos a mais bem escondidos por belos trajes da estação.
De uma certa maneira é o caso de Saas Fee, vilazinha de 1500 habitantes no sul da Suíça. Apesar da lindíssima localização, encravada em vale estreito em meio a vários picos que ultrapassam os 4000 metros de altura, com um glaciar fabuloso para tornar tudo ainda mais interessante; a vila propriamente dita nada tem de diferente ou arrojado em termos de arquitetura. Sempre as construções de cimento e madeira escura em forma de chalé que são tão características da Suíça. Mas cobertas de neve e cercadas por alguns estábulos muito antigos, equilibrados em pedras tipo “casa dos Flintstones” e seus poderosos telhados de ardósia rústica, tudo muda.
Você pensa que chegou à Aldeia do Papai Noel e não te avisaram! O vilarejo nevado é muito charmoso, à noite um silencio e um aconchego maravilhosos e durante o dia, com o sol brilhando a mil, todas as casas, igrejas e edificações cintilam como cristais e o contraste cinzento, imponente, das gigantescas montanhas com o céu azul, os paredões de gelo milenar do glaciar Allalin e o branco da neve é um espetáculo único. Aquele paraíso de inverno com que todos nós brasileiros sonhamos na infância, um cenário que não possuímos no Brasil mas que povoa nossa imaginação através dos contos de fadas, televisão, cinema. Saas Fee se encaixa à perfeição nesta fantasia com a vantagem de ser real. E com a vantagem de bom acesso, proibição total de carros na vila, segurança, garagem perfeita para estacionamento a longo prazo e transporte feito com os táxis elétricos mais curiosos e coloridos que se possa imaginar.
De Zurique ou Geneva, algumas horas de carro por boas estradas e bonitas paisagens. Chega-se a uma garagem com vários níveis para estacionamento e mais de 1000 vagas. Civilizadamente, descarrega-se a bagagem em plataforma já munida de telefone para que se possa chamar seu hotel e logo um dos pequenos táxis elétricos aparece equipados de alegres e prestativos motoristas. Alugou casa e apartamento e não tem quem chamar? Nenhum problema, é só ligar para o também perfeito serviço de táxis municipais. Perto dali, o Centro de Turismo que possui ótimos folhetos com a programação de eventos, telefones úteis, guias de restaurantes e tudo mais, já dá o tom da temporada relaxante e sem sustos que o turista aproveitará.
Onde hospedar-se não é problema; o site de Saas Fee na internet oferece um leque grande de opções. As mais em conta considerando-se que a Suíça é um país bastante caro, são apartamentos de aluguel; ótimos, equipados, espaçosos. Há hotéis de todo tipo, é claro, mas sofrem do que sempre chamo de “síndrome européia”, o tamanho diminuto e não-humano dos quartos de hotéis; o pior custo-benefício que se possa imaginar. Há exceções, claro, mas em geral na casa dos 400 euros para cima.
Como visito o país regularmente há oito anos, optei pelos apartamentos de aluguel e escolhemos um ótimo, parte de um dos melhores hotéis da cidadezinha, o Hohnegg. A localização é perfeita, fora do centro da vila mas a uma distancia caminhavel; um bom exercício por trilhas e caminhos bem marcados. O hotel tem serviço periódico de transporte, grátis, e excelentes restaurantes para os mais preguiçosos. Não visitei os quartos, oito, mas os apartamentos (localizados em lindos chalés espalhados pela grande propriedade da tradicional família Bumann) que variam de 40 a 110m2 são a escolha certa. O nosso, com 50m2, bonito, completo, confortável, bem decorado, com lareira e um terraço grande debruçado sobre os tais picos de 4000 acima citados, saiu, na altíssima estação, por 330 reais por dia (casal). Na alta estação permanência mínima de sete dias. É fácil ficar o dobro, triplo disso, de tantas opções de lazer por ali.
Para os que esquiam e os snowboarders, as pistas são fantásticas e de facílimo acesso. O cross-country não parece sofrer grandes restrições por ali. Esquia-se até o centro da cidade e até vários hotéis; não há necessidade de transporte especial. Os meios de elevação são dos mais modernos e seguros, tudo funciona muito bem. A prática destes esportes acontece o ano todo em Saas Fee, graças ao glaciar e sua neve eterna que possibilitam uma experiência contínua para os aficionados. Crianças contam com parques de neve e playgrounds especiais para elas e os jovens com bares descolados (o Popcorn é o point total dos snowboarders e o Living Room da geração entre 30 e 40) e discos idem (Metropol, Poison). Além, claro, dos sempre presentes bares aprés-ski, com o Black Bull na dianteira da garotada. Saas Fee é um lugar alegre e jovem, coisa cada vez mais rara em lugarejos pelo interior do que os americanos chamam de Velho Continente. Em Saas Fee vi uma enorme quantidade de famílias com crianças, coisa raríssima na Suíça. Adolescentes e jovens adultos também, descontraídos, em grandes grupos e felizes por estarem num lugar em que podem fazer barulho à vontade, relaxar, sem as restrições comuns às cidades grandes na Europa. Aliás, as atividades noturnas de neve são extremamente encorajadas em Saas Fee: vários eventos regulares como esqui noturno, com tochas, musica, fogos, dias especiais para corridas noturnas de trenó. Perto das pistas, chalezinhos aquecidos e charmosos vendendo todo o tipo de bebidas apropriadas ao frio intenso do lugar. Paradas ideais durante o dia ou a noite, para uma fondue genial, uma raclette fumegante ou uma batata rösti sensacional.
No restaurante ao ar livre – munido de cobertores – do Hohnegg, provamos a melhor das melhores destas batatas, a Walliser Rösti, típica da região. Para os não-iniciados, estas são batatas raladas e depois salteadas na boa manteiga suíça, coradas, com uma espécie de crosta durinha e o interior mole o suficiente para dispensar facas. No Hohnegg, o prato é enorme, a batata achatada em formato arredondado toma todo o poderoso prato; coberta por cebolas cozidas e queijo derretido da região (maravilhoso, parecido com o utilizado nas raclettes, levemente picante), um ovo frito gigante e fatias fininhas de bacon crocante. O máximo do charme e da delícia fica a cargo de uma xícara pequena, ao lado da batata; à primeira vista, parece um cappucino com o creme flutuando na superfície. Claro que não é. Nem sopa. É um levíssimo e celestial creme de cogumelos com os mesmos dentro. Para fazer da rösti, ou parte dela, um tipo stroganoff suíço, sem carne. Uma sensação! Salpicada por um mix típico de pimentas brancas moídas na hora; de morrer de bom!!!! Eleita facilmente a melhor do mundo. Já comi röstis por todo o planeta, ótimas inclusive no Brasil, mas a do Hohnegg é absolutamente inesquecível...
E como se come bem em Saas Fee...
No hotel acima citado o restaurante gourmet (interno e aquecido) é citado pelo venerável Guia Michelin e apesar de caro, apresenta pratos modernos, inovadores, servidos em louça especialmente feita para a casa. Tudo pequeno, leve, bem apresentado. Serviço muito bom e carta de vinhos surpreendente. A fondue fascinante da Fondue Hütte (cabana da fondue), o chalezinho fofo ali pertinho, que pertence ao hotel, é das melhores da Suíça, um verdadeiro creme borbulhante e cheiroso. Mas aviso importante: o chalezinho é minúsculo, só duas mesas coletivas onde os clientes fazem a refeição extremamente apertados, com estranhos. Não faz meu gênero, mas para quem não se importa em jantar ombro-a-ombro com gente desconhecida, tudo bem.
Mas fondue não é difícil de encontrar em Saas Fee, é claro. Tenho boas indicações, mas não provei, do La Ferme, o lindo restaurante do luxuoso hotel Beau Site e do pitoresco chalé (maior) Alp-Hitta. O último é um pouco fora do centro e é a encarnação real da “casa da Branca de Neve”. Comemos muito bem em outro chalé de contos de fada, o Schäferstube. Poderosos filés suínos com presunto local e mais queijo fumegante e saboroso. Na seqüência, mousses brancas e escuras. Tudo regado a vinho fornecido pela vinícola mais alta do mundo, um bom branco gelado chamado Heida.
O restaurante-estrela (literalmente pois conta com uma no Guia Michelin e 18 pontos no Gault Millau) de Saa Fee é incontestavelmente o Fletschhorn, no pequeno hotel Relais & Chateaux de mesmo nome. Treze quartos, bonita localização e vista, no meio de uma floresta a meia hora (do Hohnegg) de agradável caminhada pelo bosque nevado e a trilha que leva até uma das melhores mesas da Suíça. O mesmo chef faz milagres com produtos inusitados e tão distantes do mar: ostras, camarões e lagostas. Como amuse-bouche!!! Nunca vi tão generoso. O tartare bovino é super picante, caro e divino, o frango para duas pessoas na crosta de sal é famoso, filé de cervo vem perfeitamente quase-crú e o fígado de pato gordo com manga é delicioso e suave. Isso sem mencionar clássicos como späzli nadando em queijos especiais e cebolas ou Wiener Schnitzel (bife a milanesa) acompanhado por batatinhas gratinadas. Mais mousses bicolores utilizando o chocolate da casa, suíço claro e o melhor do mundo; outras com 70% de cacau na formula e frutas do bosque para adoçar. Os vinhos tintos do cantão (espécie de estado suíço) são surpreendentes e de alta qualidade. A carta do Fletschorn é premiada, por sinal. O serviço e preço estão alinhados com o que se espera deste nível de casa. Mas há uma característica que jamais vi em minha longa peregrinação pelos restaurantes europeus estrelados: de 2 a 5 da tarde há um cardápio reduzido gourmet para quem gosta de almoçar tarde. As sobremesas, as mesmas do magnífico à la carte. Raridade...
Um famoso crítico de gastronomia, suíço, escreveu sabiamente que não há O melhor restaurante e sim o restaurante ideal. Ideal para a época, a hora, o lugar, o bolso, as vibrações, o estado de espírito. O Fletschorn é um desses. A casa certa no lugar certo.
Para os não esquiadores e munidos de transporte automotivo, há a possibilidade sempre adorável de visitar Zermatt, a vizinha mais famosa de Saas Fee, sede da montanha mais fotogênica do universo, o Matterhorn. Passeio ótimo de dia inteiro. Outros vilarejos bucólicos e ali perto valem a visita, como Saas Almagell e Saas Grund – todos adequadamente providos de boas lojas e restaurantes. Compras em toda região são focadas em belas roupas de inverno/esportivas, calçados idem, comidas típicas e imperdíveis e artesanato curioso. A Cabane du Fromage, além de queijos incríveis vende também todo tipo de equipamento para fondues e raclettes. Sofisticados e originais utensílios de cozinhas, excelentes presentes de casamento, por exemplo. Vale a pena e os preços são uma bela e razoável surpresa.
Deslizar em trenós é sempre uma delícia e não necessariamente uma experiência aterradora. Para mais adrenalina, há um trenó tipo bobsled, em trilhos; uma espécie de montanha-russa alpina. Utilizar os ótimos teleféricos e o metrô mais alto do mundo (Alpine Metro – escalando brava e poderosamente o nível de 3000 a 3500 metros de altitude) para alcançar o topo do glaciar Allalin é outro passeio agradabilíssimo, praticamente de dia inteiro. Em dias ensolarados a vista é previsivelmente estupenda e os bares e restaurantes disponíveis, muito agradáveis. Com a vantagem de se visitar uma caverna de gelo enorme e interessantíssima. É uma espécie de Ice Hotel permanente. A temperatura constante é -3 graus, completa com esculturas bárbaras nas paredes, tetos cujos cristais naturais são jóias de gelo. Existe até uma capela ecumênica emocionante, gnomos, monstros, iglus. Visita obrigatória!
Os spas estão por toda parte e massagens tibetanas parecem ser as preferidas. Há dois pequenos museus e um cineminha gostoso (filmes quase sempre dublados em alemão, legendas em francês). No Carnaval, ski com música carnavalesca (muito diferente da nossa), grupos musicais pelas ruas e eventos à fantasia para crianças. Para os amantes das caminhadas Saas Fee oferece um meio de elevação especial e sem esquis para os trekkers (e para a turma do trenó-emoção), um teleférico silencioso e sem sujeira que leva os caminhadores até o topo das trilhas bem marcadas. Com ou sem aqueles bizarros snowshoes (sapatos tipo pé de pato para suar na neve – cada passo uma cruz...) e em alguns caminhos, iluminação para caminhadas noturnas. Tudo preparado para fazer de sua experiência nevada em Saas Fee, aquele tipo de viagem que deixa saudades e muita vontade de voltar.


Saas Fee, 31 de janeiro de 2008.
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