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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

NATAL ARGENTINO


Não foi o primeiro. Já havia passado um maravilhoso Natal em Bariloche, meu único sozinha, uma experiência inesquecível e enriquecedora. Desta vez, chegamos a Buenos Aires no ensolarado dia 25/12/2007 e como tínhamos algumas horas livres até nosso próximo vôo, tivemos a péssima idéia de almoçar no Cabaña Las Lilás; péssima não porque o restaurante seja ruim, mas não contávamos com a multidão natalina que assolava a casa naquele dia de Natal. Nativos, brasileiros, russos, ingleses, uma impressionante e frenética mistura de gente que em muito comprometeu o serviço,a acústica e a comida desta que é uma das melhores churrascarias de Buenos Aires. Uma pena...
Mas as agruras desta viagem muito bem sucedida pararam por aí. Tomamos nosso avião até Neuquén, capital do estado argentino de mesmo nome. É o norte da Patagônia argentina. A cidade em si nada tem de especial, apesar de ser economicamente importante por conta da mineração e exploração petrolífera. Em compensação, a paisagem é fantástica, na viagem de 5 horas de carro entre Neuquén e a minúscula Villa Pehuenia. Tem-se a impressão, nas primeiras duas horas (estradas em bom estado) de que se está no Novo México ou Texas, nos Estados Unidos. Paisagem árida, seca, vegetação desértica, cores impressionantes, horizontes sem fim, pequenos canions e colinas avermelhadas; tudo que não se espera de um cenário argentino. Após este trecho, a coisa muda e fica mais verde, mais montanhosa e as enormes fazendas de cabras e carneiros aparecem magníficas no horizonte. Com elas, as araucárias locais, lindas e muito diferentes das nossas. São “hermanas” distantes!
Por que Villa Pehuenia? Por que voar até Buenos Aires, trocar de aeroporto, voar até Neuquén, pernoitar em hotel de aeroporto sem graça e enfrentar no dia seguinte 5 horas de carro? Primeiro, porque as tais cinco horas parecem uma hora de tão diferente e única que a paisagem é. Já vale a viagem. Segundo, porque Villa Pehuenia é uma das regiões mais interessantes da América do Sul, com clima, vegetação, geografia, lagos , vulcões, praias, solo, tudo, mas tudo mesmo completamente diferente do lado chileno, apesar de localizada na fronteira com o Chile e de tudo o mais do resto da enorme região chamada Patagônia. Aliás, uma das minhas preferidas pelo mundo afora. Entre Argentina e Chile, já estive na Patagônia umas 10 vezes. E não canso: penso em voltar constantemente.
Em Villa Pehuenia, um povoado de 800 habitantes, se encontra uma versão ultra-primitiva de Bariloche. Cercada pelos vulcões poderosos do Chile, por lagos cristalinos, excelentes para esportes aquáticos e pesca, clima bem mais ameno do que Bariloche, apesar de frio no inverno, com neve e pequena estrutura para esqui. Villa Pehuenia é um paraíso no verão, coberta de flores, com praias surpreendentes de areia branca e uma vegetação belíssima. Nos hospedamos na excelente pousada-chique La Escondida. Ótimo quarto com grande terraço debruçado sobre o lago Aluminé e prainha particular. Um encanto barato e sofisticado. O restaurante da pousada é descolado e os pratos modernosos e saborosos. Serviço personalizado e atencioso. Destaque para o vinho patagonico, Saurus Reserva.
Em Pehuenia, possibilidades gastronômicas são limitadas e o restaurante da La Escondida é de longe o melhor do vilarejo. As outras opções são simples, como o agradável Parador del Lago onde as empanadas cracantes dão o tom. Há também pizzas. Como boa comida não costuma ser grande problema na Argentina, acredito que churrascarias e restaurantes simples servindo os peixes de água doce da região devem ser bons. Para quem gosta de andar, como nós, Pehuenia oferece trechos preciosos no vulcão extinto Batea Matua. A cratera virou lago e a vista no topo é 360 graus de puro deslumbramento. Fomos duas vezes e fazer pic-nics por ali é um belo e saudável programa. A caminhada é fácil e tranqüila.
Após três noites românticas na La Escondida, outro trecho de carro muito bonito até a mais conhecida San Martín de los Andes, onde passamos o Ano Novo. É a prima-pobre de Bariloche e o esqui mais barato no monte Chapelco. No verão, atividades próprias da estação. A cidadezinha é simpática e oferece bons serviços, restaurantes surpreendentes e algumas lojas interessantes. Entretanto, sua localização, em termos de beleza natural, perde muito para Pehuenia, Bariloche e Villa la Angostura. Para verão não aconselho. Todas a s trilhas para caminhadas e outras atrações estão longíssimas de San Martín, amargando muitos quilômetros por péssimas estradas de terra. Inverno deve ser bom para quem esqui, pois chegar de volta depois de um dia suado nas pistas, aos bons e baratos hotéis e pousadas e jantar no Bamboo, por exemplo, não dever ser mau...
O Bamboo é o melhor custo-benefíco do lugar, uma churrascaria deliciosa, moderna, envidraçada e muito barata. A mais famosa, Pisces, perde de longe para a Bamboo apesar de ser também boa opção. Há restaurantes mais sofisticados por ali, mas não fomos. Nossa cabaña no Las Rosas era muito aconchegante e preferimos preparar nós mesmos alguns petiscos aproveitando os bons supermercados da cidade.
Próxima parada: Villa la Angostura. A jóia da coroa da região dos lagos argentinos. A Bariloche-chique que conta com um dos pouquíssimos Relais Chateaux da Argentina, isso se não for o único, o Las Balsas. O lugar, como anteriormente descrito em meu artigo de abril/2007 sobre a região, é deslumbrante. O gigantesco lago Nahuel Huapi tem por lá seus cantos, recantos, braços e trechos mais lindos, formando baías ultra charmosas. A vegetação é farta, muito verde e repleta de flores do campo. As lavandas em vários tons de roxo e as rosas-mosqueta são apenas algumas das variedades que aparecem espontaneamente no verão.
A viagem de carro entre San Martín e Villa la Angostura é nada menos do que a famosa Ruta de Siete Lagos. É mesmo muito bonita, está sendo melhorada e pavimentada em alguns trechos, mas por enquanto é um sacrifício, que não recomendo, de várias horas. Apesar de toda beleza, cem quilômetros de terra ruim não é brincadeira. Mesmo com tempo bom; com chuva, nem pensar. A coisa é tão desanimadora que nos impediu de visitar a supostamente bela Villa Traful. Um dia, quando as coisas melhorarem, voltaremos. O percurso em estado civilizado é mesmo impressionante; uma competição de lagos de cores e tamanhos diferentes, florestas lindas e montanhas nevadas que completam o cenário de sonho.
Em Puerto Manzano, pitoresca baía um pouco adiante de Villa la Angostura, tivemos a grande sorte de hospedar-nos na Marinas Alto Manzano, uma hospedaria maravilhosa. Misto de hotel e pousada, conta com quartos muito bons (agradavelmente baratos/100 dólares por dia com café da manhã), cabañas fantásticas e lofts super românticos. Os serviços são limitados, pois não se trata de hotel cinco estrelas. No Marinas, a vista é dez estrelas e toma conta de tudo, dominando e fascinando os hospedes o dia inteiro. E que dias! Com o novo horário de verão imposto pela ridícula governante argentina, a nova Evita-Isabelita, “ Rainha Cristina”, há luz diurna de 7.30 até 22.30. Os dias longos e sensacionalmente ensolarados, quentes sob o sol e geladinhos à noite são fantásticos e a vista do Marinas para todo o tesouro patagonico à sua volta é inesquecível. Nos hospedamos 2 noites em uma cabaña e uma em um loft.
A cabaña gigante com 100 metros quadrados e um terraço espaçoso, com a tal vista e churrasqueira, não dá vontade de fazer nada mais, não inspira saídas ou programas. Dois quartos espaçosos e bem mobiliados com enormes janelas fazendo com que o lago, as montanhas e a floresta estejam “dentro” dos aposentos; um bom banheiro e outro equipado com janela panorâmica para chuveiradas/banhos apreciando a paisagem e o movimento de lanchas e veleiros pelas águas muito azuis de Puerto Manzano. A sala conta com pequena cozinha e lareira grande, muito vidro para não se perder nada do que a natureza oferece lá fora. Acomoda fácil e confortavelmente 4 pessoas. Tudo isso por 180 dólares a diária. O loft, um pouco mais barato, oferece quase tudo que a cabaña apresenta, com um banheiro a menos e medidas do resto das instalações, menores. O charme total fica por conta da grande banheira de hidromassagem para casal no excelente banheiro, com, vista, claro e o teto inclinado do espaço em desnível, com a cama de casal king-size, é totalmente de vidro. Maravilhoso. Estrelas, lua, nada mais sexy...
Desta vez, tentamos explorar restaurantes mais simples em Villa la Angostura, como o Raíces, o Estribor e o Australis. Como já conhecemos os “top” e amamos, decidimos explorar novas possibilidades. O Raíces, um desastre, fuja. Sujo, demorado, comida ruim. O Estribor é um cantinho romântico beira-lago, com carnes divinas, aqueles grelhados famosos que só a Argentina tem; acompanhados por aqueles vinhos malbec que também, só o país vizinho oferece. A preço de banana (de água talvez?). Ótimo custo-benefício. O Australis, beira-estrada, é uma micro-cervejaria curiosa e engraçada. Ambientes diversos com lareira e muita madeira, envidraçados, aconchegantes, cheios de fotos e objetos de um dono que obviamente viajou o mundo e trouxe de tais passagens muitas lembranças legais. As pizzas são uma delícia, bons preços, empanadas bacaninhas, tipo a humita, com milho verde e carne moída. Passe longe da empanada de truta. Empanada e peixe definitivamente não combinam.
O que fazer em Villa la Angostura? Muito. Só a vilazinha vale o investimento. Lojas super legais e preços idem. Barzinhos descolados. Passeios de barcos maravilhosos; basicamente os mesmos que em Bariloche, mas sem a horrorosa multidão e em barcos melhores, percursos mais bonitos, porto pequeno e charmoso. O famoso passeio ao bosque dos Arrayanes e a Ilha Vitória são divinos se feitos partindo da Villa la Angostura. Outra coisa.
E tem o Cerro Bayo. Que no inverno oferece esqui e no verão uma infinidade de atividades e uma infra embasbacante, coisa de primeiro mundo. Para esportistas, caminhadores, famílias com crianças, preguiçosos, todo mundo. E com direito a filial da casa de chá mais charmosa da vila, a Tématyco. Fofinhamente apelidada de: bar de infusões. Não só chás e mates, mas “liquados” (usa espécie de “vitamina” argentina) e sanduíches de miga, no pão miga ou na crocante ciabatta. Ai, ai, ai...
Para terminar a viagem, um dos lugares e hotéis mais impressionantes do planeta: o Llao Llao, em Bariloche.
Sim, continua lindo, perfeito, majestoso, ideal. Ainda mais com a ala nova, que tem agora quartos sensacionais com enormes terraços de cara para o mega-fotogenico vulcão Tronador e sua neve eterna e barulhenta. E para o Lago Moreno, para os paredões imponentes das montanhas cinzentas, para o verde, para a perfeita praia artificial que o hotel ali construiu para quem não quer misturar-se à plebe rude da piscina, que apesar de ótima é pessimamente freqüentada por velhos medonhos e criancinhas uivantes.
Duas noites que valem por cem no hotel mais bonito do universo, no bar mais incrivelmente charmoso e aconchegante, no estabelecimento que oferece o campo de golf mais bem localizado da terra, o café da manhã mais bem escolhido e generoso que se possa imaginar, completo com waffles fresquinhos cobertos por dulce de leche, cerejas e por aí vai...
Visitamos o restaurante gourmet do Llao Llao desta vez, o Los Cesares. É fora de série, o melhor de Bariloche. Seu concorrente mais próximo e sensacional é o restaurante do incrivelmente moderno e sofisticado Hotel El Casco. Os dois estão muito, mas muito acima do Gambrinus, bom, mas longe do mesmo nível.
No centro de Bariloche, o Boliche de Alberto continua oferecendo as melhores carnes da Patagônia e quiçá da Argentina e cobra preços muito convenientes.
Após duas semanas de sonho, voltamos por, infelizmente, só uma noite à frenética Buenos Aires e nos hospedamos em Palermo Soho no descoladíssimo Costa Petit. Só quatro quartos lindamente decorados, uma piscininha adorável e uma localização perfeita, em meio às ruas arborizadas de um dos bairros que mais cresce em charme e popularidade da capital argentina.
Uma viagem feliz a preços módicos e experiências inesquecíveis.



Zurich, 03 de fevereiro de 2008

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